A Itinerante
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julho 2009

39) Por amor

by A Itinerante - Neiva 31/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Decidi permanecer em Celes até que encontrassem uma cura para meu corpo e estava aguardando a chegada de Liah, a quem enviara um recado pouco antes solicitando que viesse aqui. Não tinha sentido prorrogar o comunicado e ele levaria o recado para Tana, que transmitiria a Maise.

Estava tentando ocupar-me para não pensar no que ela sentiria e também para sobreviver à minha própria tristeza. Procurava animar-me pensando no futuro que teríamos. Aqueles poucos anos não significariam nada quando voltássemos a ficar juntos e dessa vez para sempre.

Azael, meu irmão por afinidade veio visitar-me e conversamos longamente, colocando as notícias em dia. Falei sobre Maise e ele contava como conhecera Sarah, sua companheira de vida, quando Liah chegou.

– Hei, Liah. Que bom que veio rápido. Obrigado.

– Alô Adriel. Fiquei curioso com seu chamado.

– Conhece meu irmão Azael? Azael, Liah é o anjo encarregado do principado em que residimos lá na Terra e também meu amigo. – Cumprimentaram-se amistosamente e Liah olhou-me interrogativamente, querendo saber o motivo da chamada.

Expliquei rapidamente os últimos eventos e minha decisão de não retornar à Terra por enquanto.

– Nunca imaginei que isto pudesse ocorrer com um de nós, mas também ninguém havia feito o que fez. Espero que consigam descobrir uma solução. – Ele disse, parecendo chateado. Ele estava desviando o olhar ou era impressão minha?

– Também espero. E na Terra? Como estão as coisas?

– Hummm… Errrr… Adriel, acabei de lembrar que preciso falar com meu conselheiro. É urgente. Voltarei para continuarmos nossa conversa.

– Liah! O que está escondendo? Aconteceu algo com Maise?

– Eu… Hã… Adriel, depois do que disse, não sei se é uma boa idéia que tenha notícias da Terra.

– Fale logo! O que houve com Maise? – Segurei seu braço para que sequer pensasse em fugir.

– Ela, hum, bem… Está desaparecida. Deve ser só birrinha boba e até já deve ter voltado para a cabana enquanto estamos falando. – Tentou minimizar.

– Desaparecida? Desde quando?

– Desde ontem no início da tarde.

– Mais de 18 horas sem que ninguém a tenha visto? Não é possível! Maise não faria isto! Algo grave aconteceu, Liah. E a guarda de gnomos? O que houve?

– A rainha chamou-os para Etera. Estavam preparando uma festa para a visita dela na tarde de ontem e ficou apenas com Tana. Parece que tiveram uma pequena rusga, saiu querendo ficar só e desapareceu.

– Já procuraram por ela?

– Sim. Os encantados varreram cada canto de Portal desde ontem, passando pela noite e continuavam procurando quando sai. Não está em parte alguma.

– Maise! Tenho que ir. Deve estar em perigo ou já teria aparecido. Ela não faria isto com as pessoas. Eu sei que não faria.

– Adriel, não! – Azael é quem falava agora.

– Sabia que não devia contar! Adriel, acalme-se e fique quieto aqui. Não há nada que você possa fazer que já não tenha sido feito e é uma questão de tempo até que a encontrem. Façamos assim, volto e assim que tiver notícias venho aqui para contar. O que acha? – Liah também queria convencer-me a ficar.

– Nada feito! Tenho que ir. Maise precisa de mim e nunca perdoarei-me se não for e algo realmente ruim ocorrer a ela. – Eu já tinha tirado a máscara de respiração e agora tentava sair da redoma.

– Por favor, Adriel, espere ao menos até falar com Hayel. Os conselheiros devem saber de algo.

– Não. Estou indo. Liah, você vem?

– Vou ficar um pouco mais, Adriel. Agora realmente terei que falar com meu conselheiro. Irei em seguida.

– Azael, vocês terão que visitar-me já que não poderei retornar. Você e os demais. Diga-lhes que esperarei por todos. E, por favor, diga a Hayel para não desistir e continuar procurando uma solução.

– Adriel… Sentiremos sua falta. Boa sorte! – Despedimo-nos com um abraço forte.

Assim que saí do quarto senti algumas energias alcançando-me tal como Hayel disse que aconteceria. Voei em direção à Terra o mais rápido que consegui e quando cheguei estava já completamente materializado.

Pousei na varanda, preocupado com a multidão de Elementais que vira na praia. Tana veio imediatamente.

– Adriel!!! Que bom que chegou! Precisa saber…

– Já sei, Tana. Liah contou-me em Celes e por isto vim. Alguma notícia?

– Não, menino. Nada. Parece que foi sugada pela terra ou desapareceu no ar. Estou tão preocupada!

– Quais locais foram examinados? – Tana disse todos os lugares e não consegui pensar em nenhum que tivesse ficado de fora. A sala estava lotada. Até a rainha estava lá, tão triste que nem falava.

– Tana, você vai à cabana. Lembra-se dos cadernos do pai de Maise? Traga todos para cá e dividam a leitura. Quem sabe não encontram alguma pista de quem está por trás deste desaparecimento? Vou à praia pensar e tentar lembrar-me de algum lugar esquecido. – Isto daria uma ocupação a elas.

Chegando à praia, sentei na minha pedra, fechei os olhos e passei toda Portal em mente, buscando alguma idéia. Invariavelmente o rosto delicado de Maise interrompia-me e tinha que recomeçar até o ponto em que desisti e concentrei-me apenas nela.

“Querida, onde você está?” – Lembrei de sua voz, de seus cabelos dourados ao sol, de seu riso, do som de sua respiração quando adormecida e até mesmo do ritmo de seu coração que conhecia tão bem.

É isto! – Falei em voz alta quando tive a idéia. Eu conhecia o ritmo do coração de Maise e sabia distingui-lo de qualquer outro. Se pudesse ampliar minha audição, focando-a apenas naquele batimento, talvez pudesse ouvi-lo. Tinha que tentar.

Primeiro isolei a mente para todos os outros ruídos exteriores, depois concentrei na lembrança de seu batimento e quando apenas ele existia em meus pensamentos, fui aumentando lentamente o alcance da audição para aquele som, tal qual um radar. O alcance máximo do raio era pequeno e não poderia escutar toda Portal. Se não estivesse aqui perto, procuraria em outros lugares.

Quanto cheguei ao limite, fiquei ouvindo e buscando em toda sua extensão. À minha direita pensei ter ouvido algo, mas era tão baixo que não tive certeza. Desloquei um pouco para aquele lado e tentei novamente. Sim. Lá estava. Baixo, muito baixo, mas era ele, o som de seu coração.

Olhei confuso para o paredão rochoso até lembrar que avistara uma laguna ali dentro enquanto voava e depois soubera ser uma área reservada dos Elementais. Como Maise entrara ali?

Voei para entrar na laguna por cima do paredão. Maise não estava à vista. Fechei os olhos concentrando novamente e o som reapareceu mais nítido, sempre à direita. Abri-os e foquei na vegetação espessa. Aparentemente nada havia ali. Afastei algumas plantas com as mãos e vi um ponto de cor um pouco à frente.

Às pressas fui retirando mais folhas e galhos e lá estava! Minha Maise, tão pálida e branca deitada no chão de terra, toda suja e ferida pelos galhos, com formigas e pequenos bichinhos passando por seu corpo. Se não estivesse ouvindo o ritmo fraco de seu coração duvidaria que estivesse viva. Levantei-a até meu colo. Estava enrijecida e gelada, deixando-me ainda mais assustado.

Com ela em meus braços, voei rapidamente para casa. Ao entrar fui direto ao quarto e Tana, a Rainha e praticamente todos que lá estavam seguiram-me.

– Tana, ela precisa de um médico, rápido!

– Temos nossa própria medicina e garanto que é melhor do que a daquele médico tolo de Portal. – Abriu espaço para a passagem de duas fadas de cura.

– É melhor saírem para que possamos examinar a princesa. – Disse uma delas. Eu não queria sair, mas Tana obrigou-me.

Contei-lhes como e onde encontrara Maise e ficaram naturalmente horrorizadas. Tana disse que encontraram menção à Eileen nos cadernos e que ela estava sumida desde ontem. Tinham enviado alguns guardas para trazê-la esperando que pudesse elucidar algo. Eles ainda não tinham voltado.

– Acham que foi ela? – Perguntei sem querer acreditar. Conhecia Eileen desde os primeiros tempos aqui e embora não tivéssemos intimidade não parecia do tipo que faria algo assim.

– Ela especificamente não. Apenas achamos que talvez saiba algo que possa levar-nos à quem fez isto. Vamos aguardar o retorno dos guardas. – Quando disse isto a porta do quarto abriu-se e entramos.

A fada Sili disse à rainha que Maise estava envenenada. Ainda não sabiam qual o veneno e estavam administrando antídotos naturais, mas o coração estava muito fraco e não sabiam quanto tempo agüentaria. Iriam fazer um encantamento de fortalecimento e provavelmente ganhariam algum tempo, mas o veneno continuaria a avançar e o único jeito de curar Maise seria descobrir o veneno exato para assim administrar o antídoto ou encantamento correto, o que quer que fosse necessário.

Sili e sua ajudante postaram-se uma a cada lado de Maise e uniram uma das mãos acima de seu coração. Começaram a recitar uma cantinela arrastada enquanto com a outra mão espalhavam pó de ervas medicinais pelo seu corpo. Após um tempo que pareceu longo desataram as mãos e escutaram atentamente. Sorriram e fizeram aceno positivo para nós.

Eu estava monitorando o coração de Maise desde que a encontrei e acompanhei a melhora do ritmo. Sili disse que o efeito acabaria durante a madrugada e não poderia ser repetido. Tínhamos pouco mais de 12 horas para descobrir o veneno e o antídoto.

Todos saíram do quarto para discutirem as possibilidades. Fiquei sozinho com Maise.

A cor retornara ao seu rosto. Limpei a terra de sua face, cabelos e pescoço, enternecido.

Beijei ternamente seus lábios antes de dizer baixinho em seu ouvido:

– Meu amor, não tenha medo. Estou aqui com você, para sempre.

Texto registrado no Literar.

Imagem: fragmento de “O Beijo” de Gustav Klimt. Saiba mais aqui.

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38) Veneno de escorpião

by A Itinerante - Neiva 29/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


(narrador)

Eileen vinha pela praia em direção à cabana e não acreditou em sua sorte ao ver Maise ali sentada e sozinha.

“Está com saudades, benzinho? Não se preocupe. Já vai parar de chorar. Para sempre!” – Pensou, desejando poder gargalhar de alegria com este presente inesperado. Olhou para todos os cantos certificando-se de que Tana não estava por perto e pensou no que fazer. Tinha imaginado em usar até mesmo força bruta para dominar ambas e agora não seria mais necessário, o que era muito melhor. Se fizesse tudo direito ainda teria uma chance de que jamais descobrissem sua autoria e poderia continuar com os planos originais.

Não precisaria usar força e poderia usar um feitiço de veneno. O “Veneno do Escorpião” era limpo e sutil. Ninguém jamais cogitaria que um encantado do bem soubesse utilizar esta arte. O problema é que era lento e demoraria 24 horas para que morresse, ainda que ficasse paralisada cerca de uma hora após. Na praia, mesmo que a cobrisse com um encantamento de ocultação sempre poderiam encontrá-la e mesmo que não houvesse medicina humana capaz de retirar o veneno de seu corpo e que nenhum encantado soubesse o contra-feitiço todo cuidado seria pouco agora.

Estava refletindo nisto quando olhou para o paredão rochoso no qual terminava a praia e lembrou-se da pequena laguna que havia dentro dele, somente acessível por magia e que era utilizada pelos Elementais para rituais com água do mar. Era conveniente porque ficavam protegidos de olhos humanos.

“E agora é mais do que conveniente para esconder uma humana que, teoricamente, jamais conseguiria entrar lá sozinha. Perfeito!!!” – Radiante com a idéia voou até a pedra mágica que dava entrada à laguna. Pronunciou as palavras mágicas e a pedra começou a ranger, deslocando-se para um dos lados. “Ótimo! Quanto mais barulho, melhor!” – Ficou bem pequena para não ser vista e observou o resultado.

Na praia, Maise escutou o ruído e olhou na direção do paredão. Avistou a abertura e intrigada começou a aproximar-se, pensando em como jamais percebera que existia aquela passagem. Subiu com cuidado pedra por pedra até chegar à entrada, no meio do paredão.

Após atravessar a curta passagem ficou observando extasiada a beleza selvagem e intocada da pequenina laguna. Caminhou até a minúscula praia em forma de meia-lua, admirando a areia ainda mais branca e a tonalidade transparente da água.

Tinha parado de chorar e parecia quase feliz observando o local. Nem percebeu o fechamento da passagem que coincidiu com a picada no pé. Viu um pequeno escorpião fugindo para a vegetação e sentou-se para massagear a área que tinha sido picada e que agora ardia.

Sentiu-se um pouco tonta e achou melhor voltar para a cabana. “Tana saberá o que fazer” – Pensou esquecida já da rusga anterior. Levantou-se e caminhou apressada para a passagem. Tinha certeza de que estava no ponto exato por onde entrara, mas ali só existia pedra agora. Com a tontura aumentando e com um pouco de náuseas, achou que poderia ter se enganado e começou a procurar ao longo do paredão, percorrendo-o em toda sua extensão e chegando ao final sem ver nada além de pedras.

Com o pensamento confuso, cogitou ter vindo pelo mar e tentou chegar a ele, mas as pernas não obedeceram ao comando e caiu. Ainda tentou arrastar-se, mas a visão estava turva demais e não sabia se estava indo para a direção certa. Fechou os olhos para melhorar a visão e quando tentou abri-los novamente não conseguiu.

“A bruxa!” – Concluiu um segundo antes de ficar inconsciente.

Eileen aproximou-se já em seu aspecto normal e chutou-a levemente para ter certeza de que estava desmaiada.

“Pronto, benzinho! Sem mais choro, sem mais tristezas. Acabou-se para você!” – E gargalhou com vontade, eufórica com sua vitória, mas logo em seguida controlou-se e arrastou Maise pelos braços, levando-a para a vegetação espessa que circundava o paredão, ocultando-a completamente. Afastou-se até a entrada mágica e olhou bem para certificar-se de que mesmo que a procurassem aqui não a encontrariam. Satisfeita com o resultado pronunciou novamente as palavras mágica e desapareceu na passagem.

Do outro lado, repetiu as palavras para rolar a pedra um segundo antes de Tana aparecer na ponta da trilha em busca de Maise. Diminuiu rapidamente e observou com o coração disparado.

Tana olhou para todos os lados com as mãos na cintura, parecendo surpreendida ao não ver Maise no lugar costumeiro. Seguiu então em direção à outra ponta da praia, onde estava a casa de Adriel. Lá chegando, buscou em todos os ambientes, chamando por seu nome sem ter resposta.

– Onde foi parar esta menina? – Falou para si mesma. O almoço estava pronto e logo estaria na hora de irem à recepção em Etera e ela ainda teria que aprontar-se. Queria que estivesse linda quando conhecesse enfim a avó e os encantados.

Voltou à cabana com a esperança de que tivesse retornado por outro caminho enquanto estava ali, mas a casa estava vazia e nem sinal de Maise. Procurou na área próxima, chamando-a insistentemente.

Quando mais uma hora passou sem qualquer avanço começou a preocupar-se seriamente. Será que fora à vila? Não era provável. A caminhonete estava ali e era muito longe para ir à pé. Não que fosse impossível, mas que motivo teria para tanto?

“E agora?” – Não conseguia decidir o que fazer. Ir até a vila procurar sozinha ou avisar a rainha e pedir reforços para a busca? Se Maise aparecesse dali a pouco, teria causado um grande tumulto sem necessidade, mas… e se não aparecesse e estivesse perdendo minutos importantes? Lembrou-se da tentativa de assassinato e gelou, decidindo avisar a rainha.

Atravessou uma Etera irreconhecível de tão enfeitada para a recepção da princesa e teve vontade de chorar ao pensar na decepção de todos.

A rainha ficou lívida ao ouvir a notícia, mas agiu rapidamente pedindo que todos os encantados fossem convocados e poucos minutos após apareceu na sacada para falar à centena de pequeninos seres que se reuniam em frente ao palácio.

Um grande burburinho instalou-se ao seu comunicado de que a princesa estava desaparecida e a rainha teve que exigir silêncio para continuar. Pediu a todos que saíssem e varressem a região de Portal de ponta a ponta em busca de Maise.

Combinaram reunir-se para troca de notícias em frente à casa de Adriel, um ponto central entre a cabana e Etera.

Era o começo da tarde e até o cair da noite cada pedra, canto, árvore, matagal, gruta ou esconderijo natural foi examinado. Fadas habituadas aos humanos percorreram Portal do Sol sem perguntar por Maise, mas com olhos e ouvidos bem atentos. Tana ligou para Antônio com uma desculpa esfarrada e no meio da conversa perguntou se tinham visto Maise e a resposta foi negativa.

Ao início da noite ninguém mais tinha onde procurar. Ela não estava em lugar algum da região.

A esta altura todos já sabiam que o desaparecimento não fora natural. Maise estava ansiosa para conhecer Etera e a avó e não perderia a hora desta forma. Um acidente ou algo pior acontecera. A rainha insistiu para que retornassem e revissem novamente cada minúsculo pedaço de Portal do Sol e segurando pequenas tochas todos saíram para nova busca.

A rainha insistiu novamente com a Fada do Oráculo, mas ela não conseguiu determinar o local onde Maise estava. Fez e refez seus rituais e a resposta era sempre a mesma:

– “A princesa está com o escorpião e somente pode ser encontrada através do coração.” Lamento, minha rainha é só esta a mensagem de meus oráculos. – Dizia a Fada.

– O que isto quer dizer? – Perguntava a rainha? – Quem é este escorpião? Como assim, encontrar através do coração? É alguma magia?

A Fada do Oráculo abaixou a cabeça entristecida, sem saber como interpretar a mensagem cifrada.

– Reúna algumas fadas. Passaremos a noite em círculo enviando energias e sorte para aqueles que buscam.

O círculo se formou com meia dúzia delas e por toda a noite dançaram entoando cântigos rituais.

Enquanto isto na pequena laguna, oculta pela vegetação Maise continuava inconsciente. O veneno enfeitiçado avançava pelo seu corpo e em menos de 12 horas atingiria seus órgãos vitais, congelando-os para sempre.

Texto registrado no Literar.

Laguna: em geomorfologia, o termo laguna se refere a uma depressão formada por água salobra ou salgada, localizada na borda litorânea, comunicando-se com o mar através de canal, constituindo assim uma espécie de “quase-lago”. Fonte: wikipedia.

Imagem: postada com autorização da artista Vervex

29/07/2009 0 comment
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37) Tristeza

by A Itinerante - Neiva 26/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Devo ter sonhado com Adriel esta noite, porque acordei sensível e irritada. Tana não estava e o silêncio da cabana soava como uma campainha disparada em minha cabeça. Não quis sair da cama, não iria encarar este mundo solitário enquanto pudesse. Ao invés disto, peguei o último caderno de meu pai. Se Tana conhecia minha mãe, porque não dissera desde o início? Tinha algo errado nesta estória e queria esclarecer o quanto antes.

O último caderno tinha apenas algumas poucas páginas preenchidas e li rapidamente.

Papai estava escrevendo de madrugada, enquanto Luna dormia. Ela chegara ao início da noite, usando roupas escuras e parecendo assustada. Disse que sua mãe e os guardas pensavam que estava em seu quarto, que ninguém percebera a fuga e que Eileen ficara em seu lugar para dar-lhes tempo para fugir. De manhã cedo e até quando conseguisse, fingiria ser Luna, atrasando a descoberta da fuga o máximo possível.

Entre beijos famintos decidiram aguardar o amanhecer para irem embora. Naquela época as condições da estrada eram ainda mais precárias, sem iluminação e era quase impossível dirigir no escuro pelos buracos que se formavam após dias chuvosos como os que tiveram.

Mamãe disse que precisava contar-lhe a verdade, que ele tinha que saber de tudo antes de partirem. Transformou-se em uma fada pequenina e voou em frente aos olhos esbugalhados de meu pai e quando voltou à aparência humana contou-lhe que era uma fada, filha da rainha do reino encantado de Etera. Disse que estava noiva de um príncipe elfo chamado Elros. Eles eram amigos e iam casar-se mais por interesses políticos de Etera do que por amor. Então ela conheceu Artur, meu pai e apaixonou-se. Falou com sua mãe, Selena, mas esta fora irredutível. Não acreditava que amasse meu pai realmente. Disse que era apenas um entusiasmo passageiro. Que fadas sentiam muita atração por humanos, mas que na vida real era impraticável e que sua verdadeira felicidade era com Elros. Ao final sua mãe deixara-lhe trancada em seus aposentos e colocara dois gnomos em guarda permanente à porta.

Mamãe estava triste por ter que fugir, mas não havia outra opção. Papai ficou um pouco atordoado com a história, mas garantiu-lhe que faria o possível para que fossem felizes e disse que no futuro sua mãe perdoaria e voltariam a encontrar-se. Mamãe também tinha certeza que sua mãe com o tempo sentiria saudades e reveria sua estratégia. Então poderia voltar com Artur e os filhos que tivessem.

Fizeram um amor desesperado que expressava tanto as saudades que estavam um do outro quanto as incertezas do futuro. Depois se amaram novamente de forma terna, lenta e suave. Ao final, ficaram quietos abraçados, com as faces encostadas e respirando um o ar do outro. Mamãe adormeceu logo, mas papai estava ansioso demais para dormir e resolveu escrever um pouco até o amanhecer.

Ele planejava levar os diários para guardar de recordação. Estas eram as últimas palavras dele. Porque meu pai não os levara? Certamente descobriram a fuga antes do que imaginavam e tiveram que sair às pressas, o que estava de acordo com o que Antônio contara.

Tana chegou quase que ao mesmo tempo em que terminei a leitura.

– Bom dia, menina! Ainda na cama?

– Bom dia, Tana. Acabei de ler os cadernos de meu pai. Aqui diz que minha mãe não apenas era fada como você como também era filha da rainha. Isto é verdade?

– É sim. Ela era a princesa de Etera, como você é agora.

– E você sabia disto desde o início, não é? Sabia quem eu era, sabia que tinha uma avó. Sabia tudo e não falou nada! Deixou-me continuar pensando que estava só no mundo! Que droga, Tana! Por que fez isto comigo?

– Desculpe, princesa. Adriel achou que era muita coisa para você saber de uma vez e a rainha concordou em aguardar duas semanas antes de contar-lhe.

– Adriel achou foi? E a rainha concordou? E você obedeceu? Vocês tomaram todas as decisões sobre a MINHA vida, sem consultar-me. O que acham que sou? Uma criança incapaz de decidir por si mesma?

– Mas…

– Para o inferno, Tana!!! Vocês não tinham o direito, sabia? Estou doida de raiva! – Fui para o banheiro, trocar-me, sentindo as lágrimas ardendo nos olhos. Quando sai, estava mais controlada e disse:

– Tana, nós vamos agora conhecer minha avó. Agora, entendeu?

– Desculpa, princesa, mas não podemos. Sua avó está preparando sua recepção e neste momento está fazendo um comunicado ao povo, contando sobre você. Não podemos ir agora.

– O que eu quero nunca conta, não é? Que droga!!! E pare de chamar-me de princesa! Vou caminhar um pouco e nem pense em ir comigo. Quero ficar sozinha! – Saí batendo a porta.

“Quem eles pensam que são?” – Pensava enquanto tentava controlar as lágrimas que queriam cair. Andei em direção à vila sem perceber, envolvida no caos de raiva e impotência, mas quando notei para onde estava indo, decidi voltar. Não queria encontrar ninguém naquele estado. Quando estava novamente em frente à cabana, não quis entrar. Não queria ver Tana. Fui para a praia.

Sentei-me perto da pedra de Adriel e então as lágrimas caíram grossas e pesadas. Entendi que todo meu nervosismo refletia mais a saudade que sentia dele e menos o fato de não terem me consultado. Sentia-me tão impotente, parada e só à espera, sem notícias já há dois dias e sem poder fazer nada para falar com ele.

Como estaria? Estaria voltando já? Traria boas notícias? Por que meu coração estava apertado e angustiado daquela forma, como se prenunciasse desgraças para nosso futuro?

“Adriel, meu amor, volte logo! Não consigo mais ficar sem você!” – Fiquei ali, sentada na areia, chorando e repetindo estas frases como uma prece, com a esperança tola de que chegassem a ele e trouxessem-no de volta.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

…

Notícias sobre Adriel:

Com o nome de Anjo, Adriel começou ontem a ser publicado no jornal Gazeta do Belém. Este jornal do bairro de Belém, aqui em São Paulo, é bastante querido e tradicional (22 anos de existência). Agradeço aos diretores, Srs. Severino Silva e Robinson Amâncio pela oportunidade.


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36) Encruzilhada

by A Itinerante - Neiva 24/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


“Esqueça a Terra!“ – Estava com aquela frase girando sem parar em minha cabeça desde que foi dita por Kalel. – “Como se fosse possível!” – Pensei recordando o rosto de Maise em vários momentos e expressões.

Após o choque de meu despertar em Celes pedi para falar com Hayel, o conselheiro chefe do projeto e também meu orientador pessoal. Foi ele quem ofereceu este trabalho na Terra e esperava dele não apenas explicações como soluções.

– Adriel! Desculpe não ter vindo antes. Estava em meio a uma explosão em outro projeto e também quis aguardar pelos resultados dos exames.

– Olá, Hayel. Quer dizer que já saíram? Sabem o que exatamente ocorre comigo?

– É lógico que ainda estão aprofundando os testes, mas o resultado preliminar está pronto.

– E???

– Bem, estão de acordo com as suspeitas iniciais. Tanto tempo impregnado com as energias da Terra acabaram por intoxicar e viciar seu corpo fluídico. Você não deveria ter permanecido tanto tempo sem retornar. Pedi-lhe tantas vezes para vir com freqüência, Adriel!

– É, eu sei. Estava tão envolvido com o projeto que fui adiando, adiando e nem vi o tempo passar. É apenas isto que tenho?

– Infelizmente não. Ao que parece esta interação das energias dos dois planos promoveu uma alteração na estrutura química de seu corpo e ele agora é uma fusão de ambos.

– Não entendi.

– Em outras palavras: não pode mais ficar imaterial. Seu estado normal agora é materializado. Seu corpo fluídico é como um imã para as energias da Terra. Você somente está conseguindo manter-se longe delas por estar tão distante e isolado dentro desta sala, mas se sair daqui elas o alcançarão.

– E materializado não posso permanecer em Celes, porque sou pesado demais para o ambiente leve daqui.

– Exatamente. Nem sei como conseguiu chegar. Foi quase um milagre e não acredito que possa fazer o mesmo novamente. Ouça bem, Adriel, se sair de Celes não conseguirá voltar nunca mais.

– E quais são as opções? Devo viver neste quarto protegido pelo resto da eternidade ou renunciar à Celes e viver na Terra? É isto? Devo escolher entre os dois mundos? Porque se for, minha escolha já está feita e quero ficar na Terra.

– Não é tão simples assim, Adriel. Se voltar à Terra estará selando esta união entre seu corpo fluídico e as energias da Terra e o que quer que aconteça com seu corpo materializado ocorrerá também em seu corpo imaterial. Isto significa mais do que poder morrer na Terra, significa tornar-se mortal também enquanto espírito.

– Espíritos são eternos.

– É raro, mas uma desintegração do espírito pode ocorrer. Seu corpo imaterial é o invólucro de seu espírito, de sua essência, de tudo que é e que te torna Adriel e não outro qualquer. Se este invólucro for danificado sua essência dispersará pelo universo, retornando à origem. É muito pouco provável que possa manter sua consciência individual sendo poeira cósmica. Embora sua matéria continue existindo, você não continuará.

– Então devo viver aqui, neste quarto, para sempre?

– Não para sempre. É algo novo e pode demorar alguns anos, mas encontraremos uma forma de recuperar seu corpo fluídico.

– Alguns anos? Impossível. Hayel, tenho que contar-lhe algo: apaixonei-me por uma humana. Ela está a minha espera. Preciso voltar.

– Bem, isto teria que acontecer, mas não imaginei que seria com uma humana.

– Como assim: teria que acontecer?

– Era uma lacuna em sua existência, algo que faltava vivenciar para estar completo e preparado para o próximo passo. Era inevitável que ocorresse porque nossos espíritos atraem automaticamente as experiências que necessitamos. Eu apenas achava que apaixonaria-se por uma celestiana. Era mais provável.

– E por que foi com uma humana? Por causa deste problema com as energias?

– Sim e não. Obviamente a sua identificação com o planeta, o fato de estar vivendo como humano impregnado com suas energias aproximou-o do modo de pensar e sentir dos humanos, abrindo a possibilidade de interessar-se por um deles, mas se não houvesse afinidade com esta humana a atração não ocorreria.

– Ela é especial então? Se eu estava predestinado a amar e ela apareceu em minha vida, ela é minha alma gêmea?

– Almas gêmeas não são como normalmente acreditam na Terra, como se existisse outro ser que completasse o seu ser. Se fosse necessário outro para que fosse completo, seria uma falha de Deus, o que não é verdade. Todos os seres são feitos à imagem e semelhança de Deus e como este é perfeito, também nós o somos ou ao menos contemos a essência da perfeição. O que existem são almas semelhantes que se atraem e mantém-se unidos por afinidade e se é isto que você entende por almas gêmeas, então sim, ela é sua alma gêmea.

– E porque ela não é um anjo como eu?

– Adriel, não sei tudo. Terá que descobrir o restante por si mesmo.

– E o que faço, então?

– Faça o correto: fique aqui até descobrirmos como recuperar seu corpo fluídico e então veremos uma forma de retornar para sua garota.

– Por alguns anos, Hayel? Impossível. Prometi voltar em alguns dias.

– Daremos um jeito de avisá-la. Ela esperará.

– O anjo Liah, responsável pelos Elementais, poderia avisar a fada Tana e ela por sua vez avisaria Maise, mas não sei. É difícil demais ficar sem ela. Sinto muitas saudades.

– Você pode retornar na hora que desejar. Não vamos impedir. É sua decisão. Apenas pense no que seria melhor para ambos em longo prazo.

– Obrigado, Hayel. Preciso pensar em tudo que conversamos. Amanhã decidirei.

– Está certo, meu amigo. Fique em paz.

Ele saiu e permaneci, refletindo e oscilando entre a razão e o coração, sem conseguir escolher.

Quando decidia permanecer, lembrava de Maise e das saudades que sentia. Como viver anos longe dela, sem ver sua presença eletrizante, sem tocar seu corpo macio, ouvir sua voz ou o som de sua risada?

Hayel estava enganado: eu era incompleto sem ela e somente voltaria a sentir-me completo quando pudesse estar ao seu lado novamente.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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35) A princesa dos povos encantados

by A Itinerante - Neiva 22/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva

(narrador)

No dia seguinte, logo que a guarda de gnomos assumiu o posto na vigilia de Maise, Tana encaminhou-se para Etera. Chegando ao palácio, foi direto para os aposentos particulares da Rainha que, após os cumprimentos iniciais, dispensou todos que estavam no ambiente e perguntou:

– Tana, aconteceu algo para que esteja aqui tão cedo?

– Minha Rainha, ontem à noite Maise confirmou o que já imaginávamos: ela é mesmo filha de Luna.

– Eu sabia Tana, meu coração não poderia estar tão enganado. Filha de minha filha. Minha neta!

– Sim, Majestade. Seu coração estava certo também em não perder as esperanças, ainda que não tenha sido sua filha a retornar.

– Pobre Luna.

– Ela foi feliz com o homem que amava e teve uma filha adorável. Vossa Majestade poderá fazer por Maise o que não fez por Luna.

– É o que desejo: que seja feliz aqui em Etera, o lugar ao qual pertence por direito. Ela deve saber que tem uma família e de toda sua estória. O reino está quase pronto para recebê-la, ainda que ninguém além de nós duas saiba o motivo dos preparativos. Está confirmado? Ela virá?

– Sim, Rainha. Confirmou ontem à noite. Está ansiosa por conhecer nossa espécie e cheia de curiosidade. Foi um custo não responder suas perguntas, mas este deve ser seu privilégio.

– Obrigada. Devo fazer um comunicado aos encantados, para que a recebam como se deve, mas primeiro tenho que contar a Elros.

– Espero que aceite bem a notícia. Certamente será um choque.

– Tenho fé que ele entenderá, querida. Por favor, retorne e envie a guarda que estiver por lá. Ficará com Maise até virem, não é mesmo?

– Sim, Majestade. Fique tranqüila. Enviarei os guardas e estarei com ela o tempo todo.

– Você é uma boa amiga, Tana. Obrigada.

Agradecendo e fazendo uma reverência, Tana retirou-se.

O Príncipe Elros atendeu em poucos instantes ao chamado da Rainha. Era um elfo majestoso, trajado ricamente com botas altas, calça justa, bata presa por cinto de couro e uma capa verde aos ombros. Os elfos eram os seres elementais mais parecidos com os humanos, estatura pouco inferior, mas infinitamente mais belos com seus cabelos brancos, olhos azuis ou verdes, orelhas pontudas e corpos perfeitos.

Elros, que com seu porte imponente e a riqueza dos trajes era ainda mais belo do que todos, fez uma reverência e aguardou.

– Elros, querido amigo. Acabo de receber uma notícia esperada há mais de 20 anos e desejo partilhar com você antes dos demais.

– Agradeço a deferência, Majestade. Do que se trata?

– Há algumas semanas chegou a Portal do Sol uma jovem chamada Maise, hospedando-se na cabana de Artur, o artista. Tana investigou sua origem e acaba de confirmar que se trata da filha de Luna, minha filha e sua ex-noiva. Ela disse a Tana que seus pais faleceram em um acidente há alguns meses.

– Meus pêsames, Rainha.

– Obrigada. Infelizmente não pude dar um abraço de despedida em minha filha ou dizer-lhe o quanto a amava e de como arrependo-me pelas atitudes intempestivas do passado. Foi pela minha intolerância que fugiu com aquele artista. Ansiava por seu perdão e agora sei que não terei. Só não estou mais triste porque ganhei uma neta. Mal vejo a hora de poder abraçá-la. Ela virá hoje à tarde a Etera e desejo que seja recebida como a princesa que é. Antes de falar aos encantados, quis que soubesse.

– Fico feliz por Vossa Majestade e por toda Etera que agora tem uma herdeira de sangue real.

– Elros, depois que você foi abandonado praticamente no altar, procurei recompensar-lhe de todas as formas que pude. Sempre teve minha confiança e é o segundo em comando no reino de Etera. Até mais do que isto. Nós dois sabemos que você é quem governa de fato. Sem um herdeiro real foi natural que todos, inclusive eu, passássemos a ver você como o próximo governante. Agora com a chegada de Maise a situação muda. Apesar de tudo que fez pelo reino, o trono é um direito de minha neta.

– Não há com o que preocupar-se, Majestade. Meu interesse é o bem de nosso povo. Não tenho ambição pelo poder e estou satisfeito com minha posição, assim como ficarei se puder auxiliar a princesa.

– Certamente, meu caro. Sua posição está assegurada e só tenho a agradecer pela generosidade. Obrigada.

– Hoje é um dia memorável para Etera. Confesso que agora também estou ansioso por ver a princesa. Será tão bela quanto era a mãe?

– Ah, Elros, pela descrição de Tana é ainda mais bonita. Espero que sua noiva não fique enciumada. Por falar nisto, onde ela está?

– Eileen estava comigo quando fui chamado e deve estar aguardando na sala do trono.

Os dois continuaram conversando amigavelmente enquanto saiam do aposento e caminhavam pelos corredores.

Nos aposentos reais, Eileen que estivera disfarçada ouvindo toda a conversa, retomou sua forma normal.

– Hoje! Ela estará aqui hoje e como princesa real! Não se eu puder impedir! E vou impedir, custe o que custar. Ela não chegará a Etera viva. A rainha terá que contentar-se com o cadáver da netinha amada.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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34) Saudades

by A Itinerante - Neiva 19/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Acordei com a entrada ruidosa de Tana. Adriel não estava. Era a primeira vez após dias que acordava sem ele ao lado e sua ausência soava como um estrondo abafado à espera de irromper. Pensei no menino da fábula, que por horas tentara tampar com os dedos os furos que se abriam no dique para que este não se rompesse e senti-me como ele.

Sabia que estava sendo irracional. Faziam apenas algumas horas que ele partira e estaria de volta em poucos dias, mas meu coração e corpo pareciam não entender isto por conta de algum erro de processamento entre minha mente e eles.

– O que foi, menina? Saudades já? – Tana perguntou ao ver que continuava deitada com os olhos fechados.

– É. Estou com saudades sim e com medo de que não volte. Ah, Tana, estou com tanto medo! – Comecei a chorar ao reconhecer o sentimento por trás da boca seca e da bola no estômago.

– Boba! Veja o que ele deixou para você. – Ela mostrou o anjo de origami e o bilhete. – Ele te ama e estará aqui antes que imagine. Eu sei. Já foi outras vezes e voltou muito rápido. Vamos, anime-se. Levante, vá tomar um banho que vou fazer um café da manhã gostoso para você.

Após o banho senti-me algo melhor e o café da manhã estava realmente maravilhoso. Tana fez tudo que eu gostava: tapiocas doces e salgadas, suco de frutas, iogurte e ainda mimou-me como o dia inteiro.

Fui com meus materiais à praia de manhã, mas não consegui pintar direito. Desisti e fiquei apenas nadando, tomando sol e pensando.

“Como acontece isto de conhecer alguém e em tão pouco tempo tornar-se tão importante que a vida perca o sentido sem ela?” – Era mesmo absurdo, pensei lembrando que vivi 20 anos sem conhecer Adriel e que poderia nunca ter conhecido se não tivesse vindo para Portal e agora, viver sem ele era inconcebível.

Aquele estado depressivo não iria ajudar em nada e resolvi pensar apenas em seu retorno. Fantasiei com sua volta em milhões de formas diferentes. Em todas trazia a boa notícia de que ficaríamos juntos para sempre.

Entretida escolhendo a melhor de todas as fantasias e ouvindo a matraquice de Tana, a tarde acabou passando sem que sentisse tanto. Lembrei dos diários de papai e sentei na cadeira para ler o penúltimo volume, o que não foi realmente uma boa idéia.

Papai estava ainda mais deprimido que eu. Fazia já duas semanas que mamãe se fora após a briga que tiveram e ela não retornara. Ele não conseguia pintar e nem fazer nada além de pensar nela e procurá-la por todos os lugares vizinhos, sem o menor sucesso. Estava desesperado e impotente. Não comia e nem dormia direito a dias.

Uma tarde uma mulher bateu à sua porta. Era jovem, bonita e vestia-se de forma semelhante a de Luna, minha mãe. Ela disse chamar-se Eileen, que era amiga de minha mãe e que trazia notícias dela. Papai convidou-a a entrar.

Eileen disse que mamãe contara à sua mãe sobre papai e que esta ficara furiosa e a trancara em seu quarto onde deveria permanecer até o casamento que seria dali a poucos dias. Disse que mamãe tentara fugir e não conseguira e que estava desesperada por medo dele ir embora pensando que o esquecera.

A mulher disse que poderia ajudar minha mãe a fugir, mas que antes tinha que saber com papai se ele estava disposto a fugir com ela, pois os guardas iriam atrás de minha mãe tão cedo percebessem sua fuga. É lógico que papai estava disposto. Era tudo o que ele queria.

Eileen fez com que prometesse que iriam para bem longe e jamais entrariam em contato novamente. Disse que mesmo casados e após muito tempo, a mãe de Luna iria querer seu retorno a qualquer custo. Papai prometeu e ela se foi, dizendo que aguardasse mais dois dias no máximo. E este foi o final do diário.

Antes de começar o último, fiquei pensando nesta Eileen. Quem seria? Alguma aldeã de Portal? Será que a encontraria? Até o momento era a única pista que tinha e tentaria descobrir.

Tana entrou neste momento. A tarde já terminava e disse que ficaria comigo esta noite. Lembrei-me da promessa de mostrar suas asas.

– Tana, deixa ver você como fada? Lembra-se que prometeu? Posso ver?

Ela ficou pensativa alguns segundos, acenou afirmativamente com a cabeça e desapareceu. Olhei para cima de minha cabeça e ela estava lá, voando e rindo escancaradamente. Suas asas eram mesmo parecidas com as de borboleta, furta-cor em tons de violeta e dourado.

– Tana, que graça! Adorei. Os outros são bonitos assim como você? Quer saber tudo, conta?

– Ah não, menina. Prefiro que veja com seus próprios olhos. Vai mesmo visitar Etera amanhã?

– Vou sim. À tarde. De manhã quero terminar de ler o diário de meu pai. Você já falou com a rainha?

– Já, mas amanhã volto lá para acertar os detalhes. Diga-me uma coisa, menina, estes diários de seu pai, o que são?

– Ah, são as anotações dele, da época em que morou nesta cabana. Você sabia, Tana, que meu pai conheceu mamãe aqui?

– É mesmo? E como era o nome de sua mãe?

– Luna. Tana, você vive aqui faz tempo. Não conheceu meu pai ou minha mãe? Meu pai chamava-se Arthur. Lembra dele ou dela?

– Conheci sua mãe. Quando vi você pela primeira vez reconheci os olhos dela, mas não tinha certeza até agora, quando disse seu nome.

– Tana! E só agora me diz isto? Quero saber tudo.

– Não, menina, agora está tarde demais. Durma e amanhã, quando formos a Etera, prometo que saberá tudo.

– Ah, Tana, por favor, conta agora. Vocês eram amigas? Sabe de onde ela veio e quem era sua mãe? Ainda vivem aqui?

– Nada disto, mocinha. Esta será uma conversa longa e já está tarde. Maise, prometo que saberá tudo amanhã.

– Chata! Boa noite. – Mesmo não contando nada, estava contente. Hoje o dia fora produtivo com relação aos meus pais. Dormi pensando na volta de Adriel e imaginando uma igreja cheia de parentes em nosso casamento.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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33) Celes

by A Itinerante - Neiva 17/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva

Era melhor um ponto mais aberto para a desmaterialização e fui para a praia, onde o sol já estava por nascer. Observei-o por alguns momentos e depois me desmaterializei, ou ao menos, tentei. Era um pouco demorado e a parte da adaptação posterior um pouco incômoda, mas o processo em si era simples e mesmo tendo já um ano que não o realizava, não havia como esquecer. Concentrei-me e tentei novamente. Nada! Continuava tão sólido como antes. O que ocorria?

Sentei em minha pedra e tentei desmaterializar uma das mãos. Tive sucesso e ela desapareceu, apenas para reaparecer segundos após. Tentei novamente com maior concentração e o mesmo ocorreu. Tentei com um pé, perna, com todos os membros, com o corpo inteiro, mas nada.

As energias pareciam atraídas para meu corpo e tão logo as dispersava, retornavam. Ao máximo consegui manter uma parte por um período um pouquinho maior, mas o nível de concentração tinha que ser muito maior e não conseguiria sustentar por muito tempo, quanto mais com todo o corpo.

Resolvi afastar-me um pouco da atmosfera da Terra e tentar lá do alto. Como eram energias básicas do planeta, talvez ficassem retidas em seu magnetismo. Subi acima da camada de ozônio e experimentei novamente liberar uma das mãos. Ela desapareceu por um tempo bem maior, o que indicava que estava no caminho certo.

Tomei o rumo de Celes, decidindo desmaterializar-me pelo caminho. Era mais difícil ir assim. Pesado e incômodo, com a gravidade da Terra atraindo-me juntamente com as energias de meu corpo, mas não restava outra opção.

Fui removendo a casca que envolvia meu corpo, pedaço por pedaço. A cada parte desmaterializada, tinha que manter a concentração em mantê-la assim e ao mesmo tempo, começar outra parte. Terminada aquela, juntava ao que já estava imaterial e recomeçava com nova parte. Quando desconcentrava por um instante de alguma parte, ela imediatamente materializava-se.

Sentia-me como um gigantesco imã, fugindo da nuvem energética que tentava deixar para trás sem muito sucesso.

Celes não estava distante da Terra. Voando no estado fluídico habitual, em menos de meia hora estava lá, normalmente. “Hoje certamente levarei o dobro do tempo ou mais” – pensei desanimado. E assim foi. Quando avistei a cidade flutuando no espaço tinha a impressão de estar a uma eternidade no processo e o esforço conjunto de voar e concentrar era excessivo.

Estava sentindo-me fraco, exausto e com receio de não chegar a ela, despencando no espaço. Busquei os fiapos de força que ainda tinha para um último arranque que me levou até a entrada de Celes. Despenquei quase inconsciente próximo ao portão principal.

Felizmente alguns celestianos estavam por lá e correram ao meu encontro. Partes de meu corpo começaram a materializar-se para espanto deles. Um conselheiro ordenou:

– Para a câmara de limpeza, rápido! – Quatro deles levantaram-me e fui carregado para a câmara, que era um quarto protegido contra a entrada de energias exteriores à Celes.

Estava sentindo-me realmente mal, sem forças. Lutei com a inconsciência, mas foi em vão e desmaiei sem conseguir articular uma palavra.

Acordei com um aparelho respiratório preso ao nariz e soltando jatos de ar a curtos intervalos. A cama estava dentro de uma espécie de redoma de película transparente e pude perceber a movimentação ao meu redor, com vários anjos rodeando a cama e outros entrando e saindo.

Tossi com a garganta áspera e ressecada e eles perceberam que acordara. Reconheci Kalel, um dos conselheiros que participavam do projeto na Terra.

– Olá, Adriel. Como está sentindo-se agora? – Perguntou-me ele.

– Fraco. O que houve?

– Aparentemente você teve uma crise de abstinência. Seu corpo parece ter viciado nas energias pesadas que absorveu durante este ano na Terra e agora não apenas as atraem como não consegue sobreviver sem elas.

– E o que é este ar que estou inalando e porque esta redoma de proteção?

– É um ar quimicamente alterado, contendo partes iguais das atmosferas da Terra e de Celes. Sem isto você não agüentaria sequer falar. Pensamos em uma terapia de desintoxicação gradativa, aumentando aos poucos a quantidade de atmosfera de Celes e diminuindo a da Terra. E a redoma é para que possamos ficar ao seu lado sem intoxicarmo-nos com este ar.

– Então não poderei sair daqui?

– Por enquanto não, mas estamos desenvolvendo um modelo mais flexível que possa carregar consigo e assim ficar liberado para visitar sua casa e outros locais que deseje.

– Ótimo. Estou com saudades de meus irmãos e também preciso reunir-me com os conselheiros para discutir o projeto.

– Deve ser rápido. Paralelo a isto, nossos cientistas estão pesquisando seu DNA mais a fundo. Existe uma possibilidade de esta contaminação ter sido ainda mais profunda e ter gerado uma alteração genética, mas estas são as primeiras impressões apenas. Enquanto eles não emitem um parecer final, cuidaremos da desintoxicação.

– Será que demorará muito? Preciso voltar para a Terra em poucos dias.

– Voltar para a Terra? Está brincando?!?! Esqueça!

Texto registrado no Literar.

Imagem de Celes daqui.

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32) Perdendo o controle

by A Itinerante - Neiva 15/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Maise, que estava lendo sentada na cadeira, levantou-se quando entrei. Fiquei olhando, meio abestalhado e com dificuldades para respirar. Ela usava uma camisola indecente, não por ser transparente ou muito pequena, o que não era, mas por deixá-la sensual e provocante de uma forma que não deveria ser permitido.

Estava calculando que levaria apenas cinco passos e um gesto da mão para arrancar aquele paninho de seu corpo, quando ela deu um passo em minha direção e agora eram apenas quatro passos e mais um até a cama, mas este não contava porque não creio que conseguiria dar esse passo adicional e a devoraria inteira ali mesmo, no chão ou na cadeira. Devia estar em meu rosto esta fome de lobo porque ela parou naquele passo e ficou olhando-me insegura.

– “Você não é um animal, Adriel. Controle-se!” – O pensamento inseriu-se em minha mente por entre os pensamentos selvagens e conseguiu sobressair o suficiente para que ouvisse. Fechei os olhos e respirei pausadamente por alguns segundos antes de reabri-los.

– Você está linda! – Consegui dizer. Sim, era isto. Tinha que falar o bastante para ocupar a mente e resistir. Não devia pensar se aquele laçinho na junção dos seios estava mesmo ligado às alças de sustentação e que se os desatasse… Não! Pare! Não pense nisto! Viagem! Fale sobre a viagem.

– Você gostou? Queria estar bonita para você em nossa última noite. – Disse e sorriu com aquele sorriso largo, confiante e aberto. Oh, inocência! Nem imaginava a fera prestes a avançar nela. Sentei-me na cama com os braços cruzados no peito para refrear o desejo de tocar sua pele que parecia brilhar naquela roupa.

– Hummm…. É muito provocante. E sensual também. – Tinha que avisá-la de alguma forma. Talvez ela tivesse o bom senso que faltava-me e trancasse-se a salvo no banheiro. Não. Ela não entendeu. E caminhou até parar na minha frente. Não queria continuar olhando, mas se fechasse os olhos mais uma vez ela poderia ofender-se.

– Vamos deitar? – Queria responder que não, não podíamos, mas ela pegou minha mão, desatando-as e puxando-me em direção à cabeceira da cama.

– Maise, hum, não sei se é uma boa idéia. Não vou conseguir dormir com você vestida assim.

– Não vamos dormir, Adriel. Vamos namorar um pouquinho. – Ela já estava recostada na cabeceira, sob os lençóis. Eu estava em pé e ela puxava-me pela mão para que deitasse ao seu lado.

– Não sei se consigo controlar-me o suficiente. Tenho limites, querida e estou muito próximo de perdê-los. – Deitei-me e ela agarrou-se ao meu corpo.

– Perca-os, anjo. Quero um beijo de despedida.

– Você não está colaborando, Maise. Lembra-se do que combinamos? Tudo igual até meu retorno?

– Só um beijo. – Olhou-me com aquele olhar de gatinha suplicante. Será que sabia que simplesmente não conseguia dizer-lhe não quando olhava-me assim?

– Você promete comportar-se? – Ela fez que sim com a cabeça.

Beijei-a prometendo a mim mesmo que seria suave e breve, mas quando senti a pele dos seus lábios nos meus, perdi a razão, deixando que o calor que vinha deles expandisse dentro de mim, alimentando o fogo que já estava lá. Em segundos meu sangue era lava líquida percorrendo o corpo e queimando-me em cada centímetro. Ainda não era suficiente e, esfomeado, querendo sentir mais daquele fogo, engoli a sua boca.

Seu corpo ajustava-se ondulante ao meu, suas mãos chamuscavam cada ponto que tocava e sua boca abria-se ao meu devorar. Por mais colados que estivéssemos era pouco, queria que entrasse inteira em meu corpo e minhas mãos em suas costas traziam-na ainda mais para perto. Não tinha noção do quanto a apertava até que interrompeu o beijo, desesperada por ar.

Aqueles segundos de interrupção foram suficientes para fazer-me voltar à consciência e perceber a monstruosidade que estava prestes a fazer. Afastei-a, levantei e encostei a face na parede fria. Ainda com a respiração ofegante e os olhos fechados, procurei sentir a aspereza do cimento como um contraponto à maciez de Maise e a temperatura baixa contra meu calor. Após alguns minutos já estava controlado o suficiente para abrir os olhos.

Ela estava na mesma posição, olhando-me com olhos espantados.

– Perdão, querida. Desculpe. Perdi o controle. Eu te machuquei? – Cheguei mais perto para conferir. Não sabia quanto de força tinha colocado naquele desejo de aproximação. Eu poderia ter esmagado-a facilmente.

– Não, anjo! Foi maravilhoso! Não precisava parar.

– Maise… Não sabe o quanto quero você ou não diria isto. Deixei-me dominar pelo desejo, mas não é assim que deve ser em nossa primeira vez. Não quero que sua lembrança seja a de um animal extravasando os instintos. Quero que seja especial e único para ficar marcado como um dos momentos mais bonitos de sua vida. E também da minha. Com esta tensão e todas as incertezas envolvendo-nos, não seria assim.

– Venha cá. – Ela disse, entrando embaixo dos lençóis e apontando para o lado onde eu costumava dormir.

Deitei por cima do lençol. Abraçou-me com cuidado e colocando a cabeça em meu peito, disse:

– Entendo, anjo. Também quero que seja especial e se alguém tem que desculpar-se sou eu. Também perdi o juízo pensando na sua ausência e provoquei além dos limites. Desculpe.

– Adorei esta coisinha que vestiu, por mais perigosa que seja. – Rimos juntos, relaxados. – Agora durma, querida e lembre-se até durante os sonhos que adoro você.

– Não vai esquecer-me nesta viagem? Trocar-me por alguma anja bonita? – Tive que rir da idéia. Como se fosse possível alguma destas coisas.

– Vou lembrar-me de você a cada respiração, amor. Voltarei o mais rápido possível e espero que com boas notícias. E você, cuide-se, por favor. Fique sempre com Tana.

– Está bem, anjo. Boa noite. – Já estava bocejando ao falar e logo dormiu. Eu costumava acalmar seu sistema nervoso quando emitia vibrações suaves como agora e ela era tão sensível que quase sempre adormecia em instantes.

Desde o início, dispensei a guarda de gnomos durante a noite, considerando meu turno de velar por Maise. Ficaria esta noite até próximo ao amanhecer, quando retornariam. Não queria dormir, mas ficar observando-a estava reacendendo o fogo. Seus ombros pareciam pedir pelo meu toque e quando ela mudou ligeiramente de posição e o laçinho entre os seios surgiu em frente aos meus olhos, decidi fazer algo para ocupar as mãos.

Levantei com cuidado e peguei algumas folhas de seu bloco de desenho. Passei a madrugada dividindo o tempo entre olhar para ela e fazer origamis. A técnica japonesa de dobrar papéis era um de meus hobbies nas madrugadas solitárias antes de conhecer Maise. Pensei na lenda antiga de que quem fizesse mil “tsurus” (garça) teria um pedido realizado. Tivesse tempo e faria só para ter uma chance a mais de realizar meu desejo: viver eternamente ao lado de Maise.

Quando o amanhecer chegou, deixei sua mesa forrada de tsurus, flores e até um anjo ao lado do qual escrevi em um bilhete:

“Eu te amo para sempre.”

Texto registrado no Literar.

Sabia mais sobre Origamis aqui.

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31) Sedução

by A Itinerante - Neiva 12/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


– Querida, acorde. – Ele estava tentando acordar-me com beijinhos no rosto.

– Quero dormir, Anjo. – Estava escuro ainda.

– O sol já vai nascer. Venha comigo à praia. – E continuava com os beijos, apertando-me a seu corpo. Ainda meio sonolenta, agarrei-me a ele buscando um beijo.

– Vamos dorminhoca. – Ele desviou do beijo e deu-me um tapinha nos ombros. Levantei mal humorada.

Não levei o material de pintura. Estava com muito sono para pintar. Sentei ao lado de Adriel e ficamos vendo o dia clarear. O sol nasceu esplendoroso e logo estava inteiro no horizonte completamente azul e sem nuvens. Hoje seria um dia bonito e quente.

Voltamos para a cabana e Tana já estava lá, preparando nosso café da manhã.

– Tana! – Exclamei abraçando-a. Estava com saudades dela.

– Oi, minha menina. Se não parar de me agarrar, o leite vai transbordar. – Era a mesma, ralhando como sempre. Sorri, largando-a e indo sentar com Adriel na mesa. – Quero saber se o menino cuidou bem de você.

– Cuidou sim, Tana. Muito bem, aliás. Adriel foi perfeitamente cavalheiro e gentil. Tana, ele disse que você é uma fada, verdade?

– É sim, menina.

– Depois você mostra suas asas? Quero saber de tudo. Ele disse que você mora em um reino encantado.

– Depois que eu for viajar, Tana. Hoje ainda quero Maise só para mim. – Adriel falou sério.

– Humpf!!! Já não ficou com ela por três dias?

– E vou ficar o quarto. Depois que viajar ficará aos seus cuidados e poderão conversar a vontade e até visitar Etera se quiserem.

– Sério que posso ir lá? Não é proibido para humanos ou coisa parecida?

– Lógico que pode. A Rainha vai adorar conhecer você.

– Na quarta-feira então, Tana. Hoje quero ficar com Adriel e arrumar a cabana com os novos móveis. Amanhã quero descansar, pintar e ler os dois diários de meu pai que faltam.

– Muito bem, menina. Vou avisar a Rainha e preparemos uma festa em Etera para receber você.

– Não é muita coisa para uma simples visita?

– Não é não, mas agora coma. Na quarta-feira entenderá tudo.

– Sim, mamãe. – Falei brincando e comi, ainda intrigada.

Durante a manhã descarregamos e instalamos os eletrodomésticos. Finalmente uma TV decente, música, telefone, microondas, máquina de lavar roupas e uma geladeira decente. Saindo da idade das trevas. Adriel foi à cidade tentar resolver a questão do acesso da internet e a instalação de uma linha de telefone, enquanto Tana e eu esvaziávamos os armários e o guarda-roupas. Adriel traria Marta e mais uns dois ajudantes para os móveis.

O caminhão chegou logo após o almoço e senti-me como uma criança abrindo presentes na noite de Natal. E ganhei um presentão. Estava embrulhado com um bonito papel beje e com laços de fita vermelha. Olhei para Adriel com interrogação, mas ele apenas mandou-me abrir.


– Minha cadeira! Anjo! Ah, obrigada! Não devia ter comprado. É muito chique para a cabana. – Voei para ele, abraçando-o feliz. Por mais que não devesse, era apaixonada por ela e estava contente que ele não tivesse sido tão racional como eu.

– Queria que tivesse algo para lembrar-se de mim. Sabia que era tua cadeira preferida. E ficará perfeita no canto perto ao lado da escrivaninha. Assim a verá quando estiver deitada e pensará em mim. – Ah, que bandido! Como se eu precisasse de algo para pensar nele e sentir sua falta.

– Obrigada, Anjo. Adorei. Será meu cantinho favorito, perfeito para ler. Vou sentir saudades. – Apoiei o rosto em seu peito, para ouvir seu coração um pouquinho.

Arrumamos tudo rapidamente e como estávamos em várias pessoas, Tana sugeriu um churrasco na praia, perto da casa de Adriel. Fomos todos para lá e após comermos ficamos conversando ao redor da fogueira. Antonio era um contador de causos hilariante e rimos muito de suas estórias doidas. Quando foram embora já era tarde.

Adriel e eu entramos para nossa última noite. Não deixei que fosse antes. Queria que dormisse ao menos uma noite em nossa nova cama, infelizmente maior do que a anterior. Era muito bonita e fiquei admirando-a e aos outros móveis novos por alguns momentos.

– Está feliz, pequena?

– Ficou linda, não é?

– Ficou encantadora. Parecida com você. Quente e acolhedora.

– Agora vá se trocar. Vou até minha casa e estarei de volta antes de estar pronta.

– Não demore, anjo. – Fui trocar-me.

Também tinha uma surpresa para ele. Comprei no shopping de São Pedro enquanto ele estava na livraria. Era uma camisola curta, branca, de seda e renda, delicada e feminina. Tinha pensado em não usar, mas era nossa última noite e queria um beijo ao menos. Quem sabe não conseguiria mais do que um beijo?

Esperei-o sentada em sua cadeira, fingindo ler um livro.

…

Texto registrado no Literar.

Imagem da maçã daqui.

Cadeira Bear dos Irmãos Campana daqui.

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30) Retorno a Portal do Sol

by A Itinerante - Neiva 11/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Ela trancou a casa e saímos devagar, despedindo-nos destes dias em que permitimo-nos esquecer um pouco as preocupações. Antes do anoitecer estaríamos em Portal, na segunda-feira ajudaria Maise na arrumação dos novos móveis e à noite ou mais tardar no amanhecer de terça, voaria para Celes.

Seguimos uma parte do caminho em silêncio, apenas ouvindo os novos cds que comprei com as dicas dela.

– Anjo. – Adorava quando me chamava assim.

– Sim.

– Explique agora aquilo que disse sobre François. Sobre saber que ele adora-me.

– Lembra-se da luz que vê em mim?

– Sim. É branca com reflexos prateados.

– Chama-se Aura. Todos os seres vivos a possuem. São cores emanadas de nossos corpos e refletem os sentimentos e até mesmo a essência de cada um. A maioria dos humanos não consegue ver a aura dos outros. Não sei como você consegue ver a minha. Eu posso ver a aura de qualquer um.

– Até a minha? Como é?

– A sua é feita de cores vívidas e alegres. Não seria possível ter esta aura se tivesse qualquer mal em você.

– Foi por isto que nunca pensou na possibilidade de que fosse um demônio disfarçado?

– Não precisaria ver sua aura para saber isto. Está expresso em seus olhos, em seu jeito de ser, mas sim, a aura confirmou isto. – Tive que sorrir à idéia de que ela fosse um demônio. Impossível. Maise deveria ser um anjo como eu.

– E como é a de François?

– Normal, alguns pontos iluminados, outros escuros e predominância dos primeiros, como a maioria dos seres humanos. Mas não foi pela cor geral de sua Aura que soube e sim pela mudança que ocorre nela quando ele a vê.

– Como assim, mudança? A cor não é fixa?

– Não. Existe um padrão geral que expressa a essência de cada um, mas podem mudar sutilmente de acordo com o sentimento que está predominando em momento como, por exemplo, quando alguém está com raiva emite focos vermelhos escuros e quanto mais intensa a raiva e mais próxima ao ódio, mais escuro será até quase o preto.

– E sua cor indica o quê?

– É meio que uma cor padrão para nós. Indica dons telepáticos, poder de cura, para-normalidade, pureza e bondade. Se prestar atenção, verá que existem algumas mudanças sutis de acordo com meu estado emocional ou com uma situação qualquer que esteja vivendo. Quando penso em você, por exemplo, fica diferente.

– E a minha também?

– Sim. – Infelizmente não contive o riso. Maise era muito expressiva em suas cores.

– Por que está rindo? Quer dizer que quando penso em você, dependendo do que penso ou do que estou sentindo, você sabe? Ah, meu Deus, que vergonha. – Tapou o rosto com as mãos ao falar isto.

– Quanto mais a conheço, mais fácil fica interpretar as mudanças de tonalidade, mas não quer dizer que sei exatamente o que está pensando. É mais o sentimento que identifico. Tristeza, amor, carinho, saudades. – Não queria constrangê-la.

– Não é justo! Vou prestar mais atenção na sua agora.

– Se você consegue ver a minha, deve conseguir ver qualquer outra. Seria interessante treinar esta visão. Pode ser útil como defesa no futuro, para avaliar uma pessoa desconhecida, por exemplo. Vou pedir a Tana para ajudar você com isto enquanto eu estiver fora.

– Por que Tana? Ela sabe ver Auras?

– Muito bem, aliás. Tana é uma Elemental. Uma fada. – Se eu não contasse, sabia que Tana contaria. O prazo dado pela Rainha já terminara.

– Hãnnnn??? Fada! Não é não. Ela é como eu.

– Querida, pedi que ela assumisse forma humana quando estivesse com você, para não assustar-se mais. Isto no início quando não entendia bem nem o assunto de minhas asas. Ela é uma fada sim.

– Adriel, fadas não existem. – Sorri ao ver que ela cruzara os braços no peito, em negativa. Não queria mais coisas para bagunçar sua cabeça e entendia, mas não tinha como adiar.

– Sim, pequena. Existem sim. Tana é uma e lidera uma equipe de fadas que cuida não apenas de minha casa como de todo o complexo. É uma Elemental.

– O que é um Elemental?

– Os Elementais eram anjos milhares de anos atrás. Quando houve a luta entre Lúcifer e o Arcanjo Miguel, os anjos se dividiram entre os dois lados. Quando Lúcifer foi derrotado e expulso, alguns dos anjos que estavam de seu lado foram com ele, a maioria retornou o apoio ao Arcanjo e alguns não ficaram nem de um lado e nem de outro e preferiram sair dos céus. Estabeleceram aqui na Terra sua base, como protetores da natureza, escolhendo um dos quatro elementos da natureza como essência: fogo, água, terra ou ar. Por isto são chamados de Elementais. Assumiram aspectos diferenciados, mas no geral são criaturas pequeninas, quase sempre com asas. Os humanos os conhecem principalmente como Fadas ou Gnomos.

– Então o que aquela mulher, Rita, disse na festa de Antônio era verdade…

– Sim, só que naquele dia não poderia te dizer isto.

– E Tana tem asas como você?

– Tem, mas não com penas como as minha. As dela são mais parecidas as das borboletas. E ela é pequenina como uma borboleta, também.

– Ah! Quero ver isto! Tana pequenina e com asas! Será que ela vai mostrar-me ou não pode?

– Pode, lógico. Aliás, ela quer. Só não mostrou porque não deixei. Ela quer te contar sobre as Fadas e também sobre seu medalhão.

– Rita disse que era um símbolo de proteção das Fadas. Então isto também é verdade?

– Aparentemente sim, querida. Prefiro que Tana conte tudo a você. Aliás, nem sei se ela é quem contará. Talvez ela queira que conheça Etera, o reino dos encantados, onde vive. Amanhã quando conversar com ela saberá tudo.

– Devia ficar brava com você. Só não vou ficar porque não quero que veja pontinhos escuros em mim. – Ela disse com um muxoxo.

– Desculpe. Era muito cedo para te contar. Quis apenas te proteger.

– Vou aprender a ler sua aura e saberei quando estiver escondendo alguma coisa.

– Não se preocupe com isto agora, amor. Vamos aproveitar estes dias.

Ficamos em silêncio o restante da viagem, cada qual com seus pensamentos.

Chegamos a Portal no final da tarde e Maise quis dar um oi a Antônio antes. Ele ficou contente ao nos ver retornando e Marta presenteou-nos com torta salgada e bolo para o jantar, preocupada em não termos comida a nossa espera.

A cabana estava limpa, arrumada e Tana deixara a geladeira recheada. Deixei Maise e fui rapidamente a minha casa guardar as malas, tomar banho e verificar as novidades em meu notebook. Tana já tinha ido e incomodado com o silêncio e a ausência de Maise depois de tantos dias juntos, voltei o mais rápido que pude.

Comemos a torta e o bolo de Marta e depois ficamos um pouco na varanda. Era bom cheirar o mato, a maresia e estar em casa.

Logo ficamos com sono, cansados da viagem e entramos. Tentei ficar acordado pelo maior tempo que pude, olhando Maise adormecida em meu peito. Dormir sem ela nos próximos dias com certeza seria complicado. Queria gravar esta sensação o mais profundamente que pudesse, para lembrar-me quando estivesse só em Celes.

Texto registrado no Literar.

Sobre Auras, leia mais aqui.

Imagem daqui.

11/07/2009 0 comment
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