A Itinerante
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agosto 2009

43) Namorando

by A Itinerante - Neiva 09/08/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Maise demorou a acordar. Fiz meu ritual diurno e quando voltei Tana estava na entrada, junto com vários guardas gnomos. Mandei todos embora. Aquele dia era nosso e eu cuidaria dela. Disseram que tinham ordens de Elros para não perder Maise de vista por nenhum momento e recusaram-se a ir. Concordei que ficassem desde que não visse nenhum deles e sumiram nas árvores. Tana também não queria ir, mas enviei-a para casa pedindo que fizesse uma comidinha bem gostosa para nosso almoço e que ficasse por lá até chegarmos. Desde que voltei Maise e eu praticamente não conseguimos ficar a sós e estava cansado de ver este monte de pessoas à nossa volta.

Entrei e ela continuava dormindo. Preparei um café da manhã especial esperando que o cheiro do café acordasse-a e como isto não aconteceu, deitei ao seu lado. Não queria acordá-la e ao mesmo tempo estava ansioso por isto.

Ela abriu os olhos quando toquei sua face com as costas da mão.

– Oi – Disse, antes de dar-lhe um pequeno beijo nos lábios.

– Oi – Ela respondeu sorrindo após o beijo.

– Fiz café da manhã para nós. Fique na cama.

– Antes vou escovar os dentes. Espere. – Ela foi e quando voltou já tinha arrumado a bandeja e estava aguardando. Ela voltou para a cama.

– Ah, que lindo! Você é um excelente cozinheiro para um anjo.

– Apenas um pouquinho melhor do que certa rainha que conheço. – Respondi rindo.

– Oh! Você… – Não conseguiu terminar com o beijo que lhe dei.

– Hummm… Dois beijos logo cedo. Você está generoso hoje. Estou adorando.

– Coma, amor. Hoje o dia é nosso e temos muito tempo para namorar e conversar.

Tomamos o café assim, entre carinhos, beijos e brincadeiras. Quando terminamos levei a bandeja para a pia e voltei para a cama.

– Nem pense em fugir, volte aqui. – Ela estava levantando já e deitou novamente. Abracei-a. Estava doente de vontade de sentir seu corpo bem junto ao meu. Fiquei alisando suas costas e beijando-a no rosto e cabelos. Ela era tão quente e macia quando me lembrava em nossa separação.

– Eu te amo, Maise. Senti tanto a sua falta.

– Eu também te amo, anjo. Você demorou.

– Aconteceu uma coisa, pequena. Não tive como contar antes. Tive problemas para chegar a Celes. Não conseguia ficar imaterializado. Desmaiei de exaustão quando cheguei e fiquei internado em um quarto isolado. Houve uma alteração genética em meu corpo pelo contato permanente com as energias da Terra. Os cientistas de Celes ainda estão estudando e buscando uma forma de reverter, mas a princípio tive duas opções: ou ficava em Celes aguardando a solução e desintoxicando-me ou, se voltasse para a Terra ficaria preso nesta aparência materializada, sem poder voltar lá.

– Nossa! E você voltou. O que isto significa?

– Eu ia ficar. Já tinha decidido. Por mais difícil que fosse seria melhor para nós dois no futuro. Até chamei Eliah para mandar um recado para você, mas quando ele chegou e contou-me que você estava desaparecida, vim na hora. Felizmente consegui encontrar você a tempo.

– Ainda bem que veio, anjo. Eu teria ficado apavorada ao despertar ali, sozinha e paralisada. Sem contar que provavelmente teria morrido. Obrigada. Mas o que acontece com você agora?

– Agora sou meio anjo e meio humano e ao mesmo tempo não sou nem um e nem outro completamente. Aparentemente nada mudou. Teoricamente continuo sendo anjo e felizmente minhas asas não são visíveis. Posso voar, tenho força sobre-humana, vejo e ouço mais do que os humanos, tenho poder de cura, enfim… meus “poderes” são iguais. Penso que continuarei meu trabalho no complexo. Só duas coisas mudaram realmente: como não posso ficar imaterial novamente, estou preso na Terra. Não posso voltar a Celes e nem ir a outros mundos mais leves. E também, não sou mais imortal. Posso morrer se algo acontecer com meu corpo que é um híbrido, uma mistura de corpo fluido com energias da Terra.

– Bom, quanto a estar preso na Terra, adorei. Agora quanto a poder morrer, não entendi direito. Você vai envelhecer como eu? E morrer como todos nós?

– Não vou envelhecer. Continuarei com esta aparência enquanto viver. E quanto a morrer como vocês, não. Não vou morrer de velhice, por alguma falha do corpo, mas posso não sobreviver a um acidente que atinja alguma área vital como coração ou cabeça, p.e.. O que quer que aconteça a meu corpo material acontecerá também a meu corpo fluido.

– Não parece tão ruim. É melhor do que conosco que envelhecemos.

– Não vou te enganar, Maise. É muito ruim sim. Porque você, quando morrer aqui, continuará vivendo no mundo fluídico com seu corpo leve e eu não. Nós dois temos apenas esta vida juntos e não mais a eternidade. Quando eu morrer, meu espírito vai se espalhar pelo universo, sem ter um corpo para contê-lo como os humanos.

– Ah não, anjo. Não é justo. – Ela abraçou-me um pouco mais.

– Os cientistas de Celes continuam pesquisando e pode ser que encontrem uma forma de reverter meu corpo ao que era antes. É uma esperança com a qual viver. Uma vida é pouco para nós, ainda mais que não sabemos quanto tempo durará.

– Eles vão conseguir, meu amor. Deus será justo conosco.

– Espero, Maise. Mas enquanto não conseguirem, é esta a situação com a qual teremos que viver. E isto muda muita coisa.

– Como assim? Você disse que continuava tudo aparentemente igual.

– Quando você tem a eternidade pela frente não existe pressa, urgência, para nada, mas saber que só temos esta vida muda tudo.

– Entendo.

– Maise, quando vi você envenenada lá na laguna, foi muito ruim, mas quando Elros falhou e o teu coração estava quase parando e pensei que iria mesmo morrer… Imaginei minha vida, preso aqui na Terra, sem você. Não haveria sentido algum em continuar existindo sem você. Penso que eu morreria de alguma forma. Não iria querer continuar vivendo.

– Eu também não conseguiria viver sem você.

– Antes, eu não queria comprometer você sem saber direito se poderíamos ficar juntos ou quanto tempo permaneceria aqui. De certa forma era um bloqueio, uma barreira para nosso relacionamento. Agora é diferente. Eu mudei naquele instante em que quase te perdi. Não sei ainda quanto tempo temos para viver juntos, mas quero você. Inteira e completamente. Seu corpo e sua alma. Quero viver ao seu lado todo instante de minha vida. E não quero esperar. Nada. Sinto-me completamente humano com relação a você. Egoísta e possessivo um pouco além do que gostaria. – Ela riu.

Eu a beijei para que entendesse totalmente o que eu dizia. Um beijo caloroso e faminto que logo se tornou erótico demais, alterando nossas respirações.

– Maise. Quero fazer amor com você. Intensamente. Quero você demais! Sinto-me quase insano de tanto que desejo você, mas não é só isto. Quero que estejamos unidos de corpo, mas também de alma, de todas as formas possíveis.

– Anjo, minha alma já é tua.

– Não, pequena, ainda não. Quero que seja minha mulher, minha esposa, aos olhos de Deus e do mundo. Você quer se casar comigo?

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

09/08/2009 0 comment
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42) Aos pés de uma macieira florida

by A Itinerante - Neiva 07/08/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Estive consciente quase todo o tempo em que fiquei paralisada, com exceção das primeiras horas. Despertei quando Adriel encontrou-me, o que só posso agradecer, pois imagino o pavor que teria sentido ao acordar paralisada no silêncio e no escuro, sem saber onde estava ou o que estava ocorrendo comigo. Pelas conversas que tiveram no quarto fui entendendo o que tinha acontecido.

Queria dizer a eles que estava consciente, mas não podia mexer sequer os cílios de um olho e tudo o que pude fazer foi ouvir e torcer para que conseguissem o antídoto. Quando Elros falhou e Adriel falou comigo, tão triste, como se despedindo, pensei que iria mesmo morrer.

Nunca tinha pensado em minha própria morte. Sempre achei que morreria velhinha e neste momento é que não pensava nisto mesmo. Acabara de apaixonar-me pelo anjo mais lindo e doce do universo e descobrira minha avó e toda a estória de meus pais. Não seria justo, pensei.

Senti-me triste por tudo que não viveria com Adriel, os beijos que não daríamos, a vida que não teríamos e também fiquei triste por eles, pelo que sentiriam. Estava chorando por dentro e minha tristeza era tanta que uma lágrima conseguiu furar o bloqueio da paralisia e rolar pela face.

Quando vovó viu e decidiu fazer algo, fiquei apreensiva e quando entendi o que faria, senti medo. Não queria morrer, mas também não queria que ela morresse. Não agora, não justo agora que nos encontramos. Teria impedido se pudesse.

Logo que o veneno saiu, recuperei o controle sobre o corpo, mas forcei-me a continuar imóvel com receio de desviar a atenção de vovó e prejudicar o encantamento. Fiquei olhando por baixo dos cílios sem que ninguém percebesse, mas não consegui conter-me ao ver que caíra e gritei, levantando e indo até ela.

– Vovó! Está ouvindo? Fale comigo. – Ela parecia desacordada, mas estava viva. Abriu lentamente os olhos.

– Maise, querida, você está bem? Deu tudo certo. – Sua voz era fraquinha.

– Vovó! Estou bem, mas e você?

– Está tudo bem, querida. Sou apenas uma velha cansada e agora feliz por ter feito algo pela minha neta e pela minha filha, ainda que ela não esteja aqui. É justo que seja assim. Causei muita dor e agora pude compensar resgatando sua vida.

– Fique quietinha. Não fale. Vamos fazer algo. Descanse. – Olhei para todos que estavam na sala, buscando em algum rosto o que poderia ser feito. Todos estavam sérios e as fadas choravam a um canto.

– Não existe nada a se fazer, Maise. – Era vovó quem falava. – O veneno entrou em mim e ele é muito mais forte agora do que quando entrou em você. Então, apenas escute o que tenho a dizer. É importante.

– Sim, vovó.

– Não tenho tempo para contar toda a estória para você. Depois eles contarão. Agora quero que saiba que quando sua mãe fugiu com seu pai alguns de nós quiseram fechar o Portal entre os dois mundos: Terra e Etera. Eu fui contra porque sempre tive a esperança de que sua mãe retornasse. Moldei a chave do Portal em um medalhão e enviei-o para sua mãe com um encantamento. Assim tinha certeza de que ele somente seria fechado quando ela voltasse. Agora ele é seu e você é a única que pode decidir se ele deve permanecer aberto ou se deve ser fechado. Não deixe que ninguém pressione e ouça seu coração sempre que tiver dúvidas sobre isto.

– Ouvirei. – Eu mal estava entendendo o que ela dizia. Tudo o que pensava era que não queria que morresse.

– Você é a única herdeira de Etera. Sei que nem o conhece ainda, mas é sua herança e faz parte de sua história. Vá até lá, conheça Etera e se puder, se quiser, assuma seu lugar de direito. Confie em Elros para ajudar você em tudo.

– Está certo, vovó. Farei isto, não se preocupe. Descanse um pouco agora. – Eu queria que parasse de falar nestas coisas. Estava fazendo meus olhos arderem, mas não queria que visse minhas lágrimas.

– Só mais uma coisa: sei que ama o anjo e ele ama você de verdade. Adriel é o homem certo para você. Vocês serão felizes, Maise, tanto quanto sua mãe foi com seu pai. Finalmente encontrarei Luna novamente.

– Vovó…

– Você não imagina o quanto desejei isto. Agora ficaremos juntas e estaremos olhando por você. Então, prometa que não ficará triste por mim.

Apenas balancei a cabeça, concordando. Ela olhou-me e sorriu com tanto amor que as lágrimas que eu segurava despencaram sem controle.

Senti alguém puxando-me para cima e era Adriel. Olhei para baixo e o sorriso de vovó continuava igual. Resisti, querendo falar mais com ela.

– Acabou, Maise. Ela se foi. – Adriel apertou-me fortemente contra seu peito ao dizer isto.

Foi tanto zunido na minha cabeça naquele momento que achei bom ele estar apertando-me daquele jeito. Era uma mistura de raiva e tristeza, dor e impotência. Vontade de gritar, chorar, negar, bater, rasgar. E também de acariciar minha avó e continuar ouvindo sua voz e saber por ela todas as estórias de minha mãe e também as dela e de Etera. Vontade de que fosse mentira e que pudéssemos passar muito tempo juntas para recuperar tudo que perdemos. E ao mesmo tempo, sabia que não era possível e que nunca mais seria.

No meio deste caos de sentimentos deixei-me apertar enquanto chorava em seu peito. E ele permaneceu assim, sem dizer nada, abraçando-me e beijando meus cabelos. Em algum momento ele pegou-me no colo e levou-me até a cadeira, sentando-se comigo e fiquei aninhada em seu colo, chorando, até conseguir parar.

Olhei para o quarto. Ninguém mais estava lá. Olhei para ele em interrogação.

– Precisamos ir, querida. Estão aguardando você para falar com os encantados.

Os acontecimentos a partir deste momento permanecem meio esfumaçados em minha lembrança.

Sei que fomos até a sala, onde todos estavam e de lá até o terraço. Ainda era noite e lá embaixo, na praia, centenas de pontos iluminados. Depois entendi que eram as tochas que os encantados seguravam. Elros falou sobre vovó. Não lembro o que disse só que foi muito bonito e que recomecei a chorar. Ele mostrou-me e todos fizeram uma reverência. Em seguida partimos para Etera, levando vovó.

Ela foi enterrada no finalzinho da tarde do outro dia, aos pés de uma macieira florida que era sua árvore predileta e símbolo da imortalidade. Estávamos muito tristes, mas a cerimônia foi bonita e alegre em seu formato, diferente de todas que já havia visto. Etera celebrou sua vida com cantos, poesias, pássaros, flores, música e rituais mágicos. Encantados de todas as partes do mundo vieram prestar sua homenagem à minha avó e se não estivesse entorpecida teria apreciado a profusão de seres tão coloridos e diferentes.

Voltamos ao palácio para um pronunciamento. Tínhamos conversado sobre a necessidade disto. Elros disse que eu era a rainha de Etera agora e é claro que neguei. Não tinha a menor condição de sequer pensar coerentemente, quanto mais ser rainha de um local que não sabia existir a alguns dias atrás. Ele disse que não poderiam ficar sem um governante, alguém sugeriu que ele ficasse como regente provisório e todos concordaram.

Fomos à sacada e ele falou sobre o que havia sido decidido, mas o povo começou a chamar meu nome em coro e não tive opção exceto falar a eles. Não tenho idéia do que falei. Não sabia o que dizer. Nunca tinha falado para uma platéia antes.

Acho que comecei falando sobre como estava triste por minha avó e também que estava feliz por saber que eles existiam e que eles eram uma parte de mim, que aquele lugar também era o meu lugar, mas que tudo acontecera muito rápido e precisava de tempo para assimilar todas as informações. Disse também que vovó pedira-me para confiar na ajuda de Elros, que aquela decisão era a melhor para todos e gostaria que eles o apoiassem em tudo. Disse também que voltaria sempre para ir conhecendo Etera e todos eles com calma. E esperava que um dia eles amassem-me como à vovó.

Eles irromperam novamente o coro com meu nome. Agradeci e voltei à sala.

Adriel estivera o tempo todo ao meu lado, abraçando-me ou pegando em minhas mãos e não sei como teria sido sem sentir sua pele quente em contato com a minha. Sentia-me dependente daquele contato e nos breves momentos em que ele afastava-se por alguma necessidade, ficava sentindo a pele formigar com sua ausência e só tranqüilizava-me quando ele retornava.

Agora que tudo terminara, só o que desejava era estar em minha cabana com Adriel, como antes de sua viagem. Olhei para ele e disse apenas: – Vamos? – Ele entendeu, pegou-me nos braços e saímos voando pela sacada, sob o coro deliciado dos encantados.

Na cabana tudo estava igual. Era estranho porque parecia que anos tinham decorrido desde o momento em que estivemos ali juntos pela última vez. Sentia-me diferente, mais velha e muito cansada.

Senti o peso dos últimos acontecimentos atingindo-me de uma única vez e achei que não seria capaz nem mesmo de chegar até a cama. Adriel parecia entender tudo o que eu sentia e pensava porque me sentou à beira da cama e ajudou-me a colocar o pijama, sem nada dizer. Depois levantou as cobertas e deitamos juntos.

No instante em que abraçamo-nos, deitados em nossa cama, preparados para dormir como fazíamos antes, senti-me inundada pela paz e pela certeza de estar no único lugar do mundo em que queria: nos braços de meu anjo.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

07/08/2009 0 comment
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41) O jovem Niis

by A Itinerante - Neiva 05/08/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


(narrador)

Niis era um gnomo jovem e ele preferia a palavra jovem à palavra criança, pois ainda que para os padrões terrestres tivesse apenas 12 anos, tinha já seus quase 100 anos no correr dos anos etéricos. O que era considerado pouco até mesmo para estes, mas ele preferia desconsiderar este detalhe e todos achavam graça, satisfazendo seu desejo e chamando-o de Jovem Niis.

Todos exceto a elfa Eileen, que justamente por saber de suas objeções ao termo criança, propositalmente só o chamava assim ou, pior ainda, de neném. O resultado desta afronta era que Niis odiava Eileen quase tanto quanto amava a princesa Luna e quando esta fugiu, teve certeza de que Eileen era culpada. O que resultou em ainda mais raiva desta.

No decorrer dos anos aprendeu a desaparecer de todo e qualquer lugar onde Eileen estivesse negando-lhe a saciedade do ato de sadismo, mas espionava sistematicamente a bruxa – como a denominava – sem que esta soubesse, na esperança de encontrar pistas de sua Luna.

Quando seu pai, Gnon Knur, recebeu a tarefa de proteger uma jovem no mundo exterior, pressentiu que tinha algo a ver com ela e foi em segredo até a cabana. Tão logo viu os olhos de Maise soube que era a filha de Luna e todo o amor represado foi transferido imediatamente. De nada adiantaram os castigos de seu pai: era impossível retirar Niis da frente da cabana ou de onde quer que estivesse Maise. Acabou por ser considerado um membro da guarda permanente, o que o enchia de orgulho e andava até meio estufado na tentativa de parecer maior e mais forte, enchendo de risos os companheiros.

Agora lamentava ter cedido à curiosidade pelo pronunciamento da Rainha. Se tivesse permanecido em seu posto, Maise não teria sido envenenada e não estaria à beira da morte. Pensava nisto, totalmente infeliz, enquanto aguardava por notícias na praia com todos os outros encantados.

A noite ia já pela metade e dentro da casa, todos esperavam pelo retorno de Elros, cada um fazendo suas preces da forma como acreditava. Fadas cantavam e vibravam na sala. Adriel e Eliah, que chegara pouco antes, ajoelhados ao lado da cama de Maise, oravam com fervor, suplicando ajuda divina. Ambos tentaram, sem resultado, a cura através da imposição de mãos. Agora, apenas pediam como último recurso.

O tumulto de vozes levou-os rapidamente para a sala. Era Elros que retornava, sangrando, muito machucado. Contou-lhes que os elfos negros haviam preparado uma cilada imaginando que iriam até lá disfarçados, que não teve chance alguma e só por muita habilidade conseguira escapar de ser morto ou feito prisioneiro. Não havia a menor possibilidade de conseguirem a planta necessária para o antídoto do veneno.

O desespero jorrou, espesso, pelo ambiente. Todas as esperanças estavam no sucesso de Elros e com seu fracasso ninguém mais imaginava o que fazer. Pequenos grupos formaram-se a cada canto. Alguns choravam, outros apenas observavam a rainha e alguns aventavam possibilidades apenas para descartarem em seguida.

Adriel retornou calado para o quarto de Maise e desabou na poltrona em frente à sua cama, desnorteado. A rainha, as fadas de cura, Tana e Eliah entraram em seguida.

As horas passavam rápido enquanto buscavam uma solução. O coração de Maise enfraquecia rapidamente. Adriel deixou a discussão e sentou ao lado da cama, pegando em suas mãos.

– Maise, amor, perdão. Não posso fazer nada. – Ele dizia, baixinho, sem conseguir vê-la direito por sob a cortina de águas que desciam por seus olhos, dele que nem sabia que um anjo poderia chorar.

– Adriel, veja! – Eliah apontava para Maise. Adriel enxugou os olhos. Pela face de Maise rolava solitária uma lágrima.

– Minha neta! Ela está consciente. Sabe o que está acontecendo. – Exclamou a rainha. – Minha querida, não chore. Não vou perder você também. – Disse isto e chamou todos os encantados para fora do quarto.

– Tem algo que posso fazer. É muito perigoso, mas é nossa única possibilidade e vou tentar. – Disse. – Quero fazer um Encantamento de Absorção para retirar dela o veneno.

– Majestade, o veneno irá para seu corpo e a matará. – Disse Sili assustada.

– Não se houver uma barreira mágica para meu corpo. Todos os encantados estão aqui e poderão proteger-me se fizerem um círculo mágico. – Respondeu.

– É arriscado mesmo assim. – Ponderou Tana.

– Eu quero fazer. É minha neta. Não vou deixar que morra sem tentar impedir. Vamos falar com os encantados.

Na varanda ela pediu silêncio e em rápidas palavras expôs a situação atual e sua idéia. Os encantados rapidamente começaram a organização. As Salamandras, Elementais do Fogo, deram as mãos às Sílfides, Elementais do Ar e às Ondinas, Elementais da Água e estas às Fadas e Gnomos, Elementais da Terra, fechando o círculo que envolvia toda a casa. Niis não ficaria de fora e tanto insistiu que foi aceito, dando as mãos a seus pais.

A rainha, vendo que estavam prontos, pediu que entoassem canções de proteção visualizando-a e que não parassem e não quebrassem o círculo enquanto não recebessem tal instrução.

Retornando ao quarto, solicitou que outro círculo menor fosse feito em torno de si pelos que ali estavam e uma vez dentro deste ergueu ambos os braços, com as palmas das mãos voltadas em direção à Maise e iniciou o pronunciamento do encantamento, com palavras mágicas incompreensíveis para os presentes.

Adriel via a energia protetora que chegava dos dois círculos e cobria-a com grossa camada. Observando Maise atentamente, viu que uma fumaça enegrecida saia de seu corpo, aos poucos, como se relutantemente.

O esforço da rainha era visível e persistindo no pronunciamento a fumaça continuou a sair até tornar-se uma forma à parte, permanecendo ainda acima de Maise e por vezes tentando retornar a seu corpo.

Quase como uma entidade viva, parecendo perceber a impossibilidade do retorno, dirigiu-se ao corpo de quem a retirou de sua hospedeira. Pairou por cima da cabeça da rainha e tentou penetrar de uma vez. Sendo rechaçada, rodeou seu corpo lentamente, investindo aleatoriamente em vários pontos. Mesmo não encontrando um ponto de entrada, continuou estocando.

A rainha mudou o ritmo de voz, entoando agora de forma autoritária e a massa esfumaçada começou a recuar lentamente em direção à janela.

Lá fora o círculo cantava com entusiasmo, espelhando o orgulho dos encantados pela participação na cura da princesa e proteção da rainha. Os elementais da água agitavam-se como em uma tempestade, os de vento assemelhavam-se a pequenos tornados e os de fogo soltavam labaredas incandescentes aos céus.

Uma destas labaredas chocou-se com um braço de vento sendo jogada acidentalmente em direção aos gnomos e atingindo Niis e seus pais. Este estava com os olhos fechados e ao sentir as fagulhas de fogo queimando-o em diferentes partes do corpo, soltou as mãos de seus pais, rompendo o círculo e quebrando a concentração de todos.

Seus pais que tinham visto o acidente, sabendo da pouca gravidade dos ferimentos perante a importância do círculo deixaram-no de fora e uniram as mãos fechando novamente o círculo. Foi apenas um segundo até que recomeçassem a cantar e restabelecessem o fluxo energético.

No quarto a rainha sentiu a interrupção da barreira e sua voz falhou levemente por uma palavra. Foi o suficiente para que a nuvem de veneno investisse velozmente em direção ao seu corpo desprotegido, nele desaparecendo totalmente.

A rainha tombou ao impacto.

– Vovó!!! Não!!! – Gritou Maise.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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40) As cartas de Luna

by A Itinerante - Neiva 02/08/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Três fadas entraram e pediram que eu saísse para limparem Maise. Voltei à sala onde estavam todos discutindo nervosamente.

– O que houve – Perguntei à Tana.

– Os guardas voltaram. Eileen fugiu quando pediram que viesse com eles para ver a Rainha. O filho de Gnon Knur viu quando entrou no portal dos Elfos Negros.

– Ela era uma Elfa Negra?

– Não sabemos ainda. Que tal se fôssemos ao seu quarto ver o que encontramos?

Tana e eu saímos sem avisar ninguém e em Etera fomos diretamente à casa de Eileen na Vila dos Elfos. A construção era grande o suficiente para que entrasse, ainda que minha cabeça chegasse quase ao teto.

A mãe dela falecera quando ainda era pequena e como ninguém sabia quem era o pai, a Rainha ficou responsável por ela, criando-a junto com Luna que era quase da mesma idade.

Na infância brigavam como todas as crianças, mas foi na adolescência que as diferenças acentuaram-se e apesar de morarem na mesma casa, não tinham intimidade alguma. Luna, a mãe de Maise, tinha um temperamento doce, pacífico e harmonioso. Eileen era o oposto, agressiva, briguenta e arrogante.

Elas discutiam muito por conta dos gnomos, por quem Luna tinha uma simpatia especial e com os quais Eileen sempre implicava, tratando-os como escravos. Certa vez só não açoitou um porque Luna chegou a tempo de impedir. Levadas à Rainha, a discussão ficou tão séria que esta achou melhor que Eileen saísse do castelo e passasse a viver na Vila dos Elfos. Pensava que talvez a vida entre os seus ajudasse em sua sociabilidade e educação.

Eileen não gostou e por algum tempo deixou de falar tanto com a Rainha quanto com Luna. A Rainha pediu a Elros que olhasse por ela e esta aproximação entre ambos acabou transformando-a, ao menos aparentemente, em uma pessoa mais afável.

Quando Luna e Elros ficaram noivos, Eileen já tinha feito as pazes com as duas e voltara a freqüentar o palácio. Ainda assim, até onde soube, não eram amigas íntimas e estranhei a informação de que Eileen é quem ajudara na fuga de Luna.

Examinamos toda a casa não encontrando nenhuma pista e estávamos indo embora quando percebi uma pequena porta abaixo da escada que levava ao segundo piso. Como estava trancada, precisei forçar a fechadura para abrir.

Era um pequeno depósito, com prateleiras estreitas com alguns livros e papéis. Pegamos tudo para examinar na luminosidade da sala. Tana ficou com os papéis e um pacote amarrado do que pareciam serem cartas e eu com os livros.

– Adriel, você não vai acreditar. Meu Deus!!! – Tana exclamou após abrir o pacote e ler algumas cartas.

– De quem são?

– De Luna. Algumas para Eileen, mas a grande maioria para a Rainha. Ao menos duas por ano durante duas décadas!!!

– E a Rainha não quis ler?

– A Rainha nunca recebeu nenhuma delas! Luna enviava todas aos cuidados de Eileen. Veja, aqui também tem cartas para ela. Continue com os livros, vou ler rapidamente.

Os livros eram em sua maioria de magia. Alguns de magia branca, mas a maioria de magia negra. Encantamentos proibidos, raros e desconhecidos. Ali tinha de tudo.

– O que foi mesmo que o Oráculo disse?

– Que ela estava com o escorpião e que somente poderia ser encontrada com o coração, tal como você fez.

– Vou procurar algum encantamento que esteja relacionado com escorpiões, embora isto possa ser apenas uma simbologia para outra coisa.

Continuamos em silêncio por algum tempo com Tana lendo as cartas e eu procurando nos livros.

– Encontrei! O Veneno de Escorpião. Apresenta os mesmos sintomas. É este que utilizou, tenho certeza.

– Ótimo. Já li tudo também. Vamos levar tudo para a Rainha.

Ao chegarmos, fui direto para o quarto falar com Sili e as outras fadas de cura. Deixei os livros com elas para que estudassem e descobrissem o antídoto e voltei para a sala.

A Rainha estava sentada, lendo em silêncio as cartas. Outras cartas estavam nas mãos das fadas que também liam e choravam. Elros e alguns elfos confabulavam em um canto próximo.

Tana entregou-me uma das cartas para que lesse, mas antes que o fizesse a Rainha pediu silêncio e leu em voz alta a carta que estava em suas mãos:


“Mamãe,

Desde que saí de Etera, por mais de 20 anos tenho escrito implorando por seu perdão. Eileen disse que entregou todas as minhas cartas, mas que continuo banida e que não aceita nem mesmo que pronunciem meu nome, punindo quem os faz.

Penso que existe algo errado porque recebi o medalhão que enviou por encantamento. Sei que foi você, nenhum outro encantado poderia fazer o mesmo. É nosso símbolo de proteção, mas penso que também é algo mais porque consegui decifrar a frase gravada no verso e fala sobre uma chave. Chave do quê, Mamãe? Dei o medalhão para Maise em seu aniversário de 18 anos.

Não sente vontade de conhecer sua neta? Ela tem o sangue das fadas e ainda desconhece sua origem. Eu quero que saiba. Quero que conheça você, Etera e todos os encantados. É um direito que tem, é sua estória, sua vida, suas raízes.

No próximo mês todos nós voltaremos a Portal e ficaremos na cabana por duas semanas. Contarei a verdade para Maise e aguardaremos sua visita. Se não vier, iremos à Etera.

Não posso crer que nutra tanto ressentimento em seu coração que possa negar a Maise este direito. Ela não tem culpa do que aconteceu. Se não quer perdoar-me, aceito, mas imploro que a receba.

Envie um guarda à cabana na segunda quinzena do próximo mês para que eu saiba o que decidiu e se podemos ir ambas ou se receberá apenas Maise.

Com infinito amor e muitas saudades, de sua filha

Luna.”

As lágrimas desciam pelo rosto da Rainha ao terminar a leitura com a voz falhando. Tana foi para seu lado e abraçou-a.

– Não posso crer em tamanha maldade. – Disse.

– Majestade, estou atordoado. Nunca imaginei que Eileen fosse capaz de uma vilania desta. – Elros disse.

– Você que era mais próximo dela, Elros, consegue entender porque fez isto? – Perguntou Tana.

– Poder ou inveja. São as únicas explicações. – Disse eu no lugar dele que aquiesceu com a cabeça.

– Ela viria para Etera e tudo seria esclarecido. Foi mesmo uma pena o acidente. – Completou.

– Acidente ou outra coisa? Eileen não viajou para uma reunião de encantados naquela época? – Foi Tana quem colocou em palavras o que todos pensavam.

– Sim. Ela passou uma semana fora e foi um pouco depois da data desta última carta. – Elros confirmou.

A sala mergulhou novamente no silêncio, frente a esta possibilidade triste.

– Talvez jamais saibamos de fato se foi uma fatalidade ou se Eileen é culpada. Eu a criei como minha própria filha. Jamais imaginei que seria responsável por duas décadas de separação, saudades e talvez até da morte de Luna.

– Ainda tem Maise, Majestade. Sua neta está aqui e viva ainda. Encontramos o veneno utilizado e as fadas já estão trabalhando em um antídoto. – Compadecido com sua dor, procurei oferecer algum consolo. – Vou até o quarto ver se já têm novidades.

A tarde já estava no fim e embora ainda batesse com regularidade, o coração de Maise não estava tão forte como há algumas horas. Sili disse-me que o antídoto era feito com uma planta que só crescia em Nigro, o reino dos Elfos Negros.

– Quantas horas o encantamento que vocês fizeram durará? – Perguntei.

– Umas 6 ou 8 horas, no máximo. – Respondeu.

– Faça o possível para manter seu coração batendo. Vou falar com Elros e Gnon Knur. Pegaremos a planta.

Antes de sair, fiz um carinho em Maise que continuava inconsciente na cama. Na sala, chamei Gnon, Elros e a rainha e seguimos para meu escritório, onde contei sobre a planta.

– Teremos que invadir Nigro. – Disse, Gnon Knur, com seriedade.

– Não se esqueçam de que Eileen foi para lá. A esta altura devem estar preparados para esta possibilidade. – Elros ponderou.

– Eles estão acostumados com as artes da guerra e a magia negra. Nós somos um povo pacífico. Quais seriam nossas chances? – Indagou a Rainha.

– Estaríamos em desvantagem e seria suicídio. – Elros reconheceu.

– Temos que pensar em outra estratégia. Talvez possamos entrar disfarçados. – Foi o que pensei.

– Sim. Eu posso escurecer meu corpo e usar roupas parecidas com as deles. – Elros ofereceu.

– É muito perigoso, meu amigo. Tem certeza? – Questionou a Rainha.

– Certeza absoluta, Majestade. Vamos. Não temos tempo a perder. – Comandou já se dirigindo à saída.

Ele tinha razão. Cada minuto era importante agora. A vida de Maise dependia do sucesso de Elros, que teria apenas algumas horas para ir e voltar com a planta ou ela morreria.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

02/08/2009 0 comment
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