Agradam-me tanto os espaços abertos! Verdes campos, estradas sem fim, oceano quando visto da praia, horizonte de um cume, amplitude de todas as formas.
Incomodam-me demais os pequenos espaços. Na natureza são raros. Um nicho entre árvores, uma pequena gruta ou vale, no máximo. A maior parte é de coisas feitas pelo homem: casas, carros, metrôs, ônibus, avião…
Acho que por isto desejei ser vento e livremente me esparramar, esbaldar por todas estas amplitudes, como abelha saboreando mel.
Esqueci-me por completo das coisas dos homens e por estas passava como se não existissem. Se me tolhia aqui, largava-me ali, passava por cima, dividia-me em pequenas frações, contornava-o. E assim fiz e assim foi. Anos muitos passei a ostensivamente ignorar as coisas dos homens.
Foto: http://www.sansparapluie.com/
Um dia, vi um armário. Um lindo armário. Ao contrário dos homens, ele me via e ao contrário dos homens, eu o via. Vento anda só, armário vive só.
Encantou-o isto e minha forma de vento. Deixou que me aproximasse, curioso. Falou-me, cativou-me.
Encantou-me isto também. E sua forma desconhecida que achei bela. Curiosa, aproximei-me. Como brisa, bem levemente, o toquei, beijei, acariciei, cativei.
Perdemos-nos os dois em mágico encantamento. Vento e armário em suave colóquio.
Era armário, porém e à sua função servia e coisas de homem continha. Entrevi por entre o buraco da fechadura. Roupas limpas, bem passadas e dobradas, guardadas todas em ordem, branco com branco, cor com cor. E sapatos, cada qual com seu par. Gavetas, nichos, divisões e limites bem definidos para cada coisa. Um universo contido em um pequeno espaço de homem.
Desejei entrar, ver, tocar, conhecer. Desejou que eu entrasse, visse, tocasse, conhecesse. Mas não permitiu ao fim. É vento, disse, me vai desorganizar. E botou chaves em todas as fechaduras.
Dispersou-me, tranquei-o. Confusos, percebemos nossas naturezas inconciliáveis.
Desejaria conhecer mais destas coisas do homem. Saber as tocar sem machucar, bagunçar, desorganizar. E, naquele momento quis não ser vento, mas apenas suave mão com leve toque. Quis mesmo ser armário, para estar com ele, ser seu igual. Quis ele ser vento, talvez, ou ainda, ferro que pudesse pelo vento ser tocado sem danos?
Segui. Permaneceu.
Penso agora então em me transformar. Não em armário posto que é muito forte a imagem. Mas poderia, quem sabe, ser um pequeno riacho.
Não deixaria de correr, não estaria tão limitada, observaria em segredo os homens e suas coisas. Veria como conseguem isto de conter um universo em si e nele encontrar toda amplitude e ainda se encontrar, se ver e perceber.
Talvez depois de algum tempo de observação, aprendesse o segredo e deixasse de ser coisa, enfim.
E homem, ser, torne. E ao reino dos homens pertença. E dele tome posse. E nele permaneça.
Universo e amplitude em mim contidos para que os perceba sem a necessidade do caminhar e do olhar ao longe.
E me sossegue tal qual árvore perene, plantada em algum solo.
(escrito em 2.002)
…
Aqui está o texto engolido. Desculpem, pensei que só a Thania tinha visto, sem ler.
Algumas imagens são enoooormes. Se clicar em cima, abre e dá para salvar como Wallpaper até.
Voltando à pausa. Links ao lado. Beijos. 😀