A Itinerante
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Adriel

30) Retorno a Portal do Sol

by A Itinerante - Neiva 11/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Ela trancou a casa e saímos devagar, despedindo-nos destes dias em que permitimo-nos esquecer um pouco as preocupações. Antes do anoitecer estaríamos em Portal, na segunda-feira ajudaria Maise na arrumação dos novos móveis e à noite ou mais tardar no amanhecer de terça, voaria para Celes.

Seguimos uma parte do caminho em silêncio, apenas ouvindo os novos cds que comprei com as dicas dela.

– Anjo. – Adorava quando me chamava assim.

– Sim.

– Explique agora aquilo que disse sobre François. Sobre saber que ele adora-me.

– Lembra-se da luz que vê em mim?

– Sim. É branca com reflexos prateados.

– Chama-se Aura. Todos os seres vivos a possuem. São cores emanadas de nossos corpos e refletem os sentimentos e até mesmo a essência de cada um. A maioria dos humanos não consegue ver a aura dos outros. Não sei como você consegue ver a minha. Eu posso ver a aura de qualquer um.

– Até a minha? Como é?

– A sua é feita de cores vívidas e alegres. Não seria possível ter esta aura se tivesse qualquer mal em você.

– Foi por isto que nunca pensou na possibilidade de que fosse um demônio disfarçado?

– Não precisaria ver sua aura para saber isto. Está expresso em seus olhos, em seu jeito de ser, mas sim, a aura confirmou isto. – Tive que sorrir à idéia de que ela fosse um demônio. Impossível. Maise deveria ser um anjo como eu.

– E como é a de François?

– Normal, alguns pontos iluminados, outros escuros e predominância dos primeiros, como a maioria dos seres humanos. Mas não foi pela cor geral de sua Aura que soube e sim pela mudança que ocorre nela quando ele a vê.

– Como assim, mudança? A cor não é fixa?

– Não. Existe um padrão geral que expressa a essência de cada um, mas podem mudar sutilmente de acordo com o sentimento que está predominando em momento como, por exemplo, quando alguém está com raiva emite focos vermelhos escuros e quanto mais intensa a raiva e mais próxima ao ódio, mais escuro será até quase o preto.

– E sua cor indica o quê?

– É meio que uma cor padrão para nós. Indica dons telepáticos, poder de cura, para-normalidade, pureza e bondade. Se prestar atenção, verá que existem algumas mudanças sutis de acordo com meu estado emocional ou com uma situação qualquer que esteja vivendo. Quando penso em você, por exemplo, fica diferente.

– E a minha também?

– Sim. – Infelizmente não contive o riso. Maise era muito expressiva em suas cores.

– Por que está rindo? Quer dizer que quando penso em você, dependendo do que penso ou do que estou sentindo, você sabe? Ah, meu Deus, que vergonha. – Tapou o rosto com as mãos ao falar isto.

– Quanto mais a conheço, mais fácil fica interpretar as mudanças de tonalidade, mas não quer dizer que sei exatamente o que está pensando. É mais o sentimento que identifico. Tristeza, amor, carinho, saudades. – Não queria constrangê-la.

– Não é justo! Vou prestar mais atenção na sua agora.

– Se você consegue ver a minha, deve conseguir ver qualquer outra. Seria interessante treinar esta visão. Pode ser útil como defesa no futuro, para avaliar uma pessoa desconhecida, por exemplo. Vou pedir a Tana para ajudar você com isto enquanto eu estiver fora.

– Por que Tana? Ela sabe ver Auras?

– Muito bem, aliás. Tana é uma Elemental. Uma fada. – Se eu não contasse, sabia que Tana contaria. O prazo dado pela Rainha já terminara.

– Hãnnnn??? Fada! Não é não. Ela é como eu.

– Querida, pedi que ela assumisse forma humana quando estivesse com você, para não assustar-se mais. Isto no início quando não entendia bem nem o assunto de minhas asas. Ela é uma fada sim.

– Adriel, fadas não existem. – Sorri ao ver que ela cruzara os braços no peito, em negativa. Não queria mais coisas para bagunçar sua cabeça e entendia, mas não tinha como adiar.

– Sim, pequena. Existem sim. Tana é uma e lidera uma equipe de fadas que cuida não apenas de minha casa como de todo o complexo. É uma Elemental.

– O que é um Elemental?

– Os Elementais eram anjos milhares de anos atrás. Quando houve a luta entre Lúcifer e o Arcanjo Miguel, os anjos se dividiram entre os dois lados. Quando Lúcifer foi derrotado e expulso, alguns dos anjos que estavam de seu lado foram com ele, a maioria retornou o apoio ao Arcanjo e alguns não ficaram nem de um lado e nem de outro e preferiram sair dos céus. Estabeleceram aqui na Terra sua base, como protetores da natureza, escolhendo um dos quatro elementos da natureza como essência: fogo, água, terra ou ar. Por isto são chamados de Elementais. Assumiram aspectos diferenciados, mas no geral são criaturas pequeninas, quase sempre com asas. Os humanos os conhecem principalmente como Fadas ou Gnomos.

– Então o que aquela mulher, Rita, disse na festa de Antônio era verdade…

– Sim, só que naquele dia não poderia te dizer isto.

– E Tana tem asas como você?

– Tem, mas não com penas como as minha. As dela são mais parecidas as das borboletas. E ela é pequenina como uma borboleta, também.

– Ah! Quero ver isto! Tana pequenina e com asas! Será que ela vai mostrar-me ou não pode?

– Pode, lógico. Aliás, ela quer. Só não mostrou porque não deixei. Ela quer te contar sobre as Fadas e também sobre seu medalhão.

– Rita disse que era um símbolo de proteção das Fadas. Então isto também é verdade?

– Aparentemente sim, querida. Prefiro que Tana conte tudo a você. Aliás, nem sei se ela é quem contará. Talvez ela queira que conheça Etera, o reino dos encantados, onde vive. Amanhã quando conversar com ela saberá tudo.

– Devia ficar brava com você. Só não vou ficar porque não quero que veja pontinhos escuros em mim. – Ela disse com um muxoxo.

– Desculpe. Era muito cedo para te contar. Quis apenas te proteger.

– Vou aprender a ler sua aura e saberei quando estiver escondendo alguma coisa.

– Não se preocupe com isto agora, amor. Vamos aproveitar estes dias.

Ficamos em silêncio o restante da viagem, cada qual com seus pensamentos.

Chegamos a Portal no final da tarde e Maise quis dar um oi a Antônio antes. Ele ficou contente ao nos ver retornando e Marta presenteou-nos com torta salgada e bolo para o jantar, preocupada em não termos comida a nossa espera.

A cabana estava limpa, arrumada e Tana deixara a geladeira recheada. Deixei Maise e fui rapidamente a minha casa guardar as malas, tomar banho e verificar as novidades em meu notebook. Tana já tinha ido e incomodado com o silêncio e a ausência de Maise depois de tantos dias juntos, voltei o mais rápido que pude.

Comemos a torta e o bolo de Marta e depois ficamos um pouco na varanda. Era bom cheirar o mato, a maresia e estar em casa.

Logo ficamos com sono, cansados da viagem e entramos. Tentei ficar acordado pelo maior tempo que pude, olhando Maise adormecida em meu peito. Dormir sem ela nos próximos dias com certeza seria complicado. Queria gravar esta sensação o mais profundamente que pudesse, para lembrar-me quando estivesse só em Celes.

Texto registrado no Literar.

Sobre Auras, leia mais aqui.

Imagem daqui.

11/07/2009 0 comment
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29) Dias perfeitos

by A Itinerante - Neiva 10/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Ficamos mais dois dias em São Pedro e foram poucos para o tanto a fazer, mas queríamos voltar logo para Portal do Sol. Sentíamos falta de nossas casas, do ar puro, do mar, do silêncio e, sobretudo da paz que tínhamos lá. Além disto, eu tinha esquecido os diários de papai. Estava ansiosa para saber o final da estória deles, desvendar o mistério de mamãe e quem sabe, o meu também.

Adriel queria ir a Celes, motivado pela esperança de encontrar alguma saída para nós. Eu não estava com tanta pressa disto, porque iríamos nos separar e mesmo que fosse por poucos dias, não conseguia livrar-me da sensação incômoda de que aquela viagem nos reservava algo ruim e não bom como ele esperava.

Não fossem estes motivos e gostaria de ter parado o tempo e fixado-o naqueles dias perfeitos. Embora não houvessemos mais nos beijado, sentíamo-nos muito próximos, saboreando o prazer de apenas estarmos um com o outro.

Na sexta-feira fomos a uma reunião com meu advogado. Além de seus encargos de sempre, ele aceitou encarregar-se da manutenção da casa, pagamento de contas e estas coisas chatas.

Voltamos em casa para pegar uma cesta com mantimentos, porque Adriel queria que almoçássemos no tal lugar que descobrira. Fomos de carro até um ponto e depois voando. Estava acostumando-me já aquela sensação e não tinha mais medo como nas primeiras vezes.

Fizemos um pic-nic vagaroso na cratera, aproveitando o silêncio depois de tantas buzinas e todos os ruídos da cidade. Trouxemos vários tipos de queijos, pães, frutas, vinho para mim e suco para ele. O dia estava agradável e após comermos, tiramos um cochilo rápido. Depois passamos um tempo nadando no lago de águas mornas. Batizamos o local de Cratera do Anjo e aquele seria nosso lugar especial sempre que voltássemos a São Pedro.

A tarde foi dedicada às compras para casa. Já que ficaria por um período maior na cabana queria conforto e Adriel concordou desta vez. Levou-me à loja onde comprara seus móveis. Eles tinham minha cadeira de ursinhos dos Irmãos Campana, mas fiz que não vi. Além de cara demais, seria uma total falta de senso no espaço acanhado. Não conseguia imaginar aqueles móveis imponentes em minha cabaninha rústica, mas olhando com cuidado acabamos encontrando peças menores e compatíveis, por um preço até que razoável. Bem, nem era tanta coisa assim: cama, guarda-roupas, mesa, cadeiras, escrivaninha e armários de cozinha. Como era impossível levar no carro dele, a loja providenciaria a entrega em Portal na segunda-feira.

Em casa vi que tinha mensagem na secretária. Era François, preocupado e pedindo desculpas. Apaguei irritada, mas Adriel insistiu para reconsiderar, alegando que amigos eram preciosos demais para serem jogados fora ao primeiro erro. Concordei em ir com ele à galeria amanhã. Adriel queria comprar um quadro que vira e aproveitar para conversarmos e acertarmo-nos todos. Liguei para François combinando uma visita na parte da manhã, assim logo estaria livre.

Fomos jantar em um restaurante italiano muito romântico, com velas na mesa e música ambiente. Adriel estava bonito em um jeans escuro e camisa. Eu tinha me produzido um pouco mais também e usava um vestido branco molenga com fios prateados, sensual por conta das costas nuas. Depois do jantar, dançamos abraçados por algumas músicas. Suas mãos acariciavam a pele de minhas costas e da nuca, provocando-me arrepios. O clima entre nós começou a ficar denso demais e não estranhei quando ele quis parar e ir embora.

Estava entendendo melhor meu anjo depois da noite passada e procurei não forçar uma aproximação física. Sabia que ele primeiro teria que vencer o dilema interior para depois tocar-me como desejávamos. Por enquanto, saber de seu sentimento, estar ao seu lado todos os dias e dormir abraçada a ele era o bastante.

No dia seguinte chegamos cedo na galeria e François estava gentil e educado até mesmo com Adriel. Percorreram todos os ambientes trocando idéias sobre artistas, estilos, técnicas e pude ver o olhar de François mudando do desdém inicial para a surpresa até chegar à admiração. Ri discretamente ao lembrar que Adriel continuava com suas sandálias de couro. Além de um quadro ele comprou também a estatueta de um casal beijando-se. Entendi que pensara em nosso primeiro beijo e comprava-a para eternizar aquele momento.

François convidou-nos (e agora realmente incluía Adriel no convite) para jantar esta noite. Implorou quase, dizendo que seus pais também gostariam da oportunidade não apenas para desculparem-se como para conhecê-lo melhor. Adriel aceitou antes que eu pudesse recusar. Quando saímos e o inquiri a respeito, disse que não queria que eu fechasse portas que poderia necessitar no futuro e que deveria lembrar-me sempre que François adorava-me. Perguntei-lhe como sabia e disse que explicaria no caminho de volta.

Fomos a um shopping para mais compras, almoçando por lá mesmo. Ainda precisava de eletrodomésticos e também de roupas apropriadas para a praia. Adriel aproveitou também para algumas compras e desfilei com ele, para cima e para baixo, com ares de proprietária até o final da tarde. Não resisti a uma passada no cabeleireiro, mas ele riu quando perguntei se não gostaria também de aparar o cabelo. Disse que seus cabelos não crescem e nem sua barba e que aproveitaria para comprar livros e CDs enquanto aguardava.

Depois de descarregar todas as compras em casa, tomamos banho apressados, vestimo-nos rapidamente e ainda assim chegamos atrasados ao jantar. Claire e Jacques, os pais de François pareciam realmente arrependidos. Pediram desculpas, dizendo que se deixaram dominar pelo preconceito. O jantar transcorreu agradável após os momentos iniciais. Eles comentaram a viagem a Grécia e surpreenderam-se ao ver que Adriel conhecia boa parte do mundo. Das viagens passamos às artes e ao saberem que ele tocava violoncelo ficaram encantados. Ao final, para minha diversão, Adriel tinha-os na palma da mão. Despedimo-nos novamente amigos e entendi que ele estivera certo o tempo todo. Eles gostavam de mim realmente e teria sido uma pena deixar este carinho se perder.

Fomos dormir um pouco entristecidos. Embora fosse bom voltar, aqueles dias tinham sido especiais para nós, uma pausa idílica que se findava. Amanhã voltaríamos a encarar nossos problemas e Adriel logo partiria para Celes, sem sabermos o que resultaria desta viagem.

Aqueles poderiam ser nossos últimos momentos de despreocupação e apenas ficamos nos abraçando em silêncio na cama. Minha boca estava seca de tanta vontade de um beijo e desta vez estava difícil ignorar o desejo, sentindo seu abraço forte e intenso mesclado ao sentimento de nostalgia que se apoderara de nós. Sabia que ele também queria. Ouvia as batidas mais rápidas de seu coração e esperei que a vontade fosse mais forte que o senso de responsabilidade, mas não foi. Acabei dormindo com o calor de seu corpo e o carinho em meus cabelos.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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28) Eu te amo para sempre

by A Itinerante - Neiva 08/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


– Ei pequena. O que houve? – Sentindo-me apertada a seu peito o alivio foi tão grande que ao invés de parar de chorar, chorei mais ainda. Ele pegou-me nos braços e levou-me no colo para dentro de casa. Colocou-me sentada na mesa da cozinha enquanto fazia uma água com açúcar, esperou que bebesse e depois levou-me ao sofá da sala onde deitei apoiada ao seu peito.

– Está melhor?

– Hum hum. – Respondi lutando com as lágrimas e o bolo na garganta. Ele estava fazendo carinho em meus cabelos e fui acalmando aos poucos, até conseguir falar algo inteligível.

– Foi horrível, Anjo. Lá, na casa deles. Quando viram que tinha ido sem você, começaram um interrogatório sem fim a seu respeito e falaram um monte de coisas. Só porque estava usando sandálias e não sapatos, disseram que não podia ser sério, que só queria meu dinheiro, que estava abusando de minha ingenuidade e mais um monte de coisas deste tipo. Que deveria ser um aproveitador, um gigolô de praia. Insinuaram até que estava fazendo algum tipo de lavagem cerebral ou coação. Ah, você nem imagina.

– E você não podia defender-me sem revelar meu segredo?

– Foi. Embananei na hora de explicar seu trabalho e eles pensaram que era porque não trabalhava. Depois tentei explicar, mas não acreditaram que tinha mais dinheiro do que eu, nem em sua casa ou que era diretor de uma clinica, nada! Pareciam surdos. Fiquei nervosa porque não me ouviam, falei um monte para eles e saí sem jantar, batendo a porta. Não volto nunca mais lá, Adriel!

– Errei em não ter ido com você. Desculpe. Se tivesse ido poderia desfazer a má impressão que François teve a meu respeito e que repassou aos pais. Eles devem sentir-se responsáveis por você. Eram amigos de seus pais. Sabem que é sozinha, jovem e inexperiente. Só querem proteger você, querida.

– E você ainda os desculpa? Ah, Adriel!

– Sei que não foi bonito o que fizeram. Apenas entendo que estão movidos pelo carinho que têm por você.

– No caminho fiquei doida de raiva por ter separado de você para estar com eles. Queria chegar logo e te encontrar. E você não estava. Esperei, esperei, esperei e nada. Comecei a pensar que tinha ido embora. Que teve alguma idéia estúpida qualquer sobre não ser bom para mim e que decidiu ir e me deixar. E quanto mais o tempo passava, mais tinha certeza disto.

– Maise, não sou bom para você e François é, mas prometi não ir embora, lembra?

– Por que demorou tanto? – Resolvi ignorar a última frase.

– Perdão, querida. Encontrei um lugar, amanhã quero que conheça. Era tranqüilo e fiquei meditando. Esqueci do tempo.

– Tive medo de perder você, Anjo. Era nisto que estava meditando? Em uma forma de me deixar?

– Maise, olhe para mim. – Olhei para o verde intenso. – Enquanto quiser estarei aqui. Não vou deixar você a menos que seja seu desejo ou que esteja impossibilitado. Prometo.

– Mas não é o que quer, não é? Está prometendo por que sente pena de mim? Quer empurrar-me para François para ficar livre e ir para sua casa. Ouvi o que disse sobre ele. Não precisa ficar comigo se não quer.

– É isto o que pensa?

– Você já falou tantas vezes que somos inviáveis, da falta de futuro, dos problemas e agora esta do François. Diga a verdade, por favor. Não quero mais continuar insegura, com medo de que vá embora a qualquer momento.

– Meu bem, não fazia idéia de que estava sentindo-se assim. Sempre se mostrou tão otimista a nosso respeito. Não imaginava. Desculpe.

– Fico tentando ser positiva, Adriel, mas sou humana e só de imaginar…

– Eu sei. Lá neste lugar onde estive hoje, imaginei como seria minha vida sem você. Doeu tanto que nem consegui continuar pensando.

– Então você gosta de mim um pouquinho?

– Um pouquinho? – Ele puxou-me para mais perto e beijou-me. Nunca mais tínhamos nos beijado depois daquele dia na varanda. Não foi doce como aquele. Foi esfomeado, ardente, desesperado, parecendo conter toda a vontade represada dos últimos dias. Não apenas a vontade, mas também o desejo e até as tristezas das impossibilidades. Foi como se estivesse dizendo seus sentimentos através da boca e língua e dentes que tocavam vorazes a minha boca.

No primeiro momento deixei-me beijar e apenas sentir o que estava dizendo, mas depois quis contar-lhe também e comecei a retribuir da mesma forma e então estávamos travando um diálogo eloqüente, cada qual querendo mostrar mais a intensidade de seus sentimentos que o do outro.

Acabamos deitando totalmente no sofá e no afã de aproximarmos mais do outro, logo caimos para o tapete.

Estávamos amando-nos através de um beijo e não era o suficiente. As bocas eram pequenas para o tanto que queríamos um ao outro. Adriel beijava-me o rosto, o queixo e logo chegou às áreas sensíveis de meu pescoço fazendo-me gemer de prazer. Eu também queria mais e coloquei minhas mãos por baixo de sua camiseta, tocando sua pele nas costas porque não havia espaço suficiente entre nós para tocá-lo no peito como queria.

Neste momento ele parou com os beijos e segurou minhas mãos, tirando-as de suas costas e apertando-as juntas contra nossos corações, mantendo-nos assim abraçados e quietos até nossa respiração descontrolada voltar a um ritmo aceitável.

– Eu amo você. Aconteceu sem que saiba por que ou como, está virando-me do avesso, fazendo questionar e reavaliar tudo que sou ou que sempre pensei ser. Não sei se teremos um futuro juntos ou não, mas ainda que seja louco e insano é assim que é. Amo você inteira, seus cabelos loiros e macios, seu olhar que me encanta, sua boca que me endoidece, seu corpo pequeno e gracioso, sua voz gostosa, seu jeito de andar e de ser. – Ele disse tudo isto com a voz rouca e o olhar terno. E continuou.

– Amo o que você é, do jeito que é, com toda sua paixão e intensidade, fé e otimismo, inconseqüência e espontaneidade, com seu talento, bondade e afeto. Maise, amo seu sorriso e até suas lágrimas. Amo cada pensamento seu e toda frase que diz e gesto que faz. Amo você acordada e dormindo. Você entrou em mim sem bater, sem pedir licença, invadindo-me desde o primeiro dia em que te vi e de tal forma que seria impossível tirar de mim agora. Mesmo que um dia não me queira ou algo aconteça, jamais sairá de dentro de mim. Eu te amo para sempre.

Eu não conseguia dizer nada, emocionada demais e com receio de estragar a beleza do momento. Acho que ele compreendeu, porque disse que faria lanches para nós enquanto eu me trocava. Fui, com as pernas ainda bambas e o coração voando. Após o lanche leve, fomos para a cama.

Dormi com o rosto apoiado em seu peito, ouvindo o som tranquilizador das batidas de seu coração.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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27) Cratera

by A Itinerante - Neiva 05/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva

Não fui ao jantar na casa de François. Disse a Maise que aproveitaria enquanto ela estava com seus amigos para voar em busca de um lugar onde me energizar. Ela ameaçou não ir também e tive que usar toda minha persuasão para convencê-la de que não estava com ciúmes, que tudo bem ela ir sozinha, que não iria embora e, finalmente, que estaria em casa quando voltasse. Ela não pareceu totalmente convencida, mas acabou aceitando. Levei-a até a casa deles e depois dirigi para os limites da cidade até encontrar um lugar sossegado onde deixei o carro e voei o mais rápido que consegui.

Não mentira para Maise. Estava mesmo precisando energizar-me urgente e mais do que isto, necessitava respirar ar de verdade. – “Como os seres humanos conseguem viver respirando este ar grosso de sujeira?” – Pensei enquanto subia. Pairei acima da camada cinzenta de poluição que cobria a cidade e respirei com vontade. Após alguns minutos disto e comecei a sentir-me algo melhor.

Ainda precisava absorver energias. Pena que já era noite e não teria o sol. Não precisava de sua luz para enxergar, mas gostaria de absorver sua luz. Voei mais alto. Quando estava bem acima das nuvens e fora já da rota dos aviões planei, concentrando-me nas energias do cosmo e logo as senti fluindo para meu corpo. Antes de vir para a Terra eram estas energias que absorvia diariamente, mas agora percebi que eram leves demais. Precisava daquelas existentes na Terra.

Desci um pouco e voei pela região procurando um local menos poluído e, de preferência com água. A alguns quilômetros depois de São Pedro avistei uma elevação. Pousei em seu topo e surpreso verifiquei tratar-se da cratera de um vulcão extinto e que no centro tinha uma pequena lagoa com águas mornas. Não poderia ter encontrado melhor local.

Sentei-me próximo à borda, maravilhado e mesmo após ter me energizado até mais do que necessitava, permaneci ali, meditando. Agora, livre do incômodo nada mais afastava meus pensamentos de Maise. Queria que estivesse aqui comigo. Pena que ela não podia ver à noite. Amanhã eu a traria durante o dia. Faria uma surpresa. Um lugar só nosso em São Pedro, longe da poluição e de outros olhos.

Ela não estava errada ao pensar que senti ciúmes de François. Na galeria, assim que a viu a aura dele mudou e identifiquei paixão, desejo, ternura e carinho nas novas cores que surgiram. Meu primeiro pensamento foi sair voando com Maise em meus braços e quando ele chegou perto, chamando-a de querida e querendo abraçá-la agi sem pensar, impedindo.

Depois fiquei confuso com meu comportamento e com mais este novo sentimento para completar meu caos interior. Nunca senti ciúmes embora tivesse presenciado tragédias humanas motivadas por ele. Preferia ter continuado sem saber como era. Francamente, era desagradável, incômodo e acima de tudo egoísta.

Agora que estava longe e energizado podia pensar como eu novamente e não como o ser desconhecido no qual às vezes pensava estar me transformando.

François era melhor do que eu para Maise. Para começar era humano. Compatível em idade, forma, educação, posição financeira, cultura e até nos interesses pessoais. Para arrematar adorava Maise. Ele nunca a colocaria em perigo como eu. Poderia dar-lhe filhos, como eu não poderia. Envelheceriam juntos, enquanto eu estava congelado naquela aparência e idade. E, com certeza, não traria consigo um bando de demônios que colocariam a cabeça dela a prêmio assim que soubessem de sua existência.

Como poderia querer que Maise continuasse comigo e não com ele?

Fiquei pensando nisto desde que saímos da galeria até que a deixei em sua casa e foi por este motivo que não fui ao jantar. Ela contou-me que não se viam há um tempo e quis que tivesse oportunidade de saber de seus sentimentos. Ele contaria esta noite, estava certo disto. Agora que sabia da existência de um rival não iria correr o risco de perdê-la e aproveitaria a ocasião.

E se Maise o quisesse? É lógico que sua felicidade e bem estar eram minha prioridade. Eu ficaria feliz se a soubesse bem, casada e segura.

“É. Eu ficaria feliz.” – Repeti algumas vezes como um mantra. E era verdade. Ficaria realmente feliz por ela, apenas não por mim.

Imaginei a minha vida sem ela. Acho que parei de respirar com o pensamento e a dor vívida. Se doía assim só de imaginar, com seria se acontecesse realmente?

Voltar a viver só não seria como antes, aquela simples solidão, que mesmo sendo deserto sem bordas e relevos, era branda perto do que seria sua ausência.

– “Seria como esta cratera que hoje é apenas um buraco com água morna na terra. Uma pálida e fraca imagem da paixão que já conteve um dia.” – Pensei entristecido.

Levantei disposto a espantar a idéia. Deixaria para sentir quando acontecesse, não queria sofrer desde já.

Voei para o carro. Maise ainda deveria estar no jantar, mas queria estar em casa quando retornasse. Certamente François a traria e queria ver como chegaria, se alegre, entusiasmada ou igual.

Quando estava estacionando a porta da casa abriu-se e Maise disparou para fora. Ao sair do carro ela se jogou em meus braços, chorando convulsivamente.

O que teria acontecido?

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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26) São Pedro

by A Itinerante - Neiva 03/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva


Chegamos a São Pedro no início da noite. Minha casa ficava em um bairro residencial e fiquei contente ao entrar nela novamente.

É lógico que a geladeira estava vazia forçando-nos a sair para comer algo. Estávamos cansados demais para um jantar demorado e fomos a uma lanchonete. Adorei comer sanduíches com coca-cola ao seu lado.

Na volta tomamos um banho rápido e preparamo-nos para dormir. Usar o quarto de meus pais parecia errado e embora minha cama de solteiro fosse grande, era pequena para nós dois. Adriel quis dormir no sofá, mas é lógico que não deixei. Ficamos em um impasse e acabei concordando em usar a cama grande. Cansada como estava adormeci em poucos minutos.

Logo cedo no outro dia fomos à faculdade. Como estávamos em férias poucos alunos estavam na secretaria e foi rápido. Tive apenas que preencher alguns documentos para transferir meu curso normal para o à distância. Peguei a senha para acessar o curso pela internet, algumas apostilas e a agenda com os poucos comparecimentos que faria no decorrer do próximo semestre.

Adriel estava provocando um incêndio nas garotas presentes e parecia não perceber. Caminhamos abraçados pelos corredores da faculdade e senti-me estourando de orgulho por ele estar comigo e não com elas – uma bela compensação pelos anos todos em que me senti um peixe esquisito fora d´água.

Na hora do almoço comemos em um pequeno empório próximo da faculdade que era uma mistura de restaurante e armazém de produtos culinários, com mesas espalhadas entre as prateleiras. Meio exótico, com toque rústico e comida caseira simplesmente divina.

Comemos filé ao molho madeira tomando suco de frutas porque Adriel não bebia bebidas alcoólicas. Ao final deliciamo-nos com torta de frutas vermelhas e sorvete. Precisamos ficar ali mais uma meia hora até termos condições de andar novamente. Saímos lentos, pesados e preguiçosos como gatos gordos e velhos após o almoço.

A galeria não era longe e decidimos ir a pé para exercitar um pouco, cortando caminho pelo parque. Ao entrarmos estávamos rindo de nossos narizes e bochechas que ficaram vermelhas com a caminhada no vento frio e todos no ambiente silencioso viraram para olhar.

A Galerie Claire era uma das mais elegantes da cidade e representava os melhores artistas da atualidade. François, o proprietário e também marchand de meu pai, era ainda bastante jovem, mas nascera respirando quadros e esculturas e quando seus pais resolveram aposentar cedo assumiu a direção com habilidade. Seus pais e os meus eram amigos desde que consigo lembrar e François e eu crescemos juntos. Antes de herdar a galeria ele passou uma temporada estudando na Europa e tínhamos nos afastado um pouco, mas era o mais próximo de um amigo que tinha.

Ele surgiu por uma porta com os braços estendidos em minha direção. Era loiro como eu e belíssimo, ainda que não tanto quanto Adriel. Usava terno e tinha os cabelos bem penteados. A gravata irreverente deixava-o moderno e charmoso.

– Maise, querida! Estava tão preocupado com você! – Ia me abraçar, mas Adriel colocou uma mão em minha cintura trazendo-me mais perto dele e não tive outra opção que não fosse dar-lhe a mão, sem graça.

– François! Que bom te ver também! Quero te apresentar Adriel, meu namorado. – Apresentei os dois que cumprimentaram um ao outro educada e friamente.

– Preocupado por quê? Avisei que estaria fora por alguns dias. – Tentei mudar as atenções para a conversa enquanto ele nos encaminhava a seu escritório. Sentamo-nos em frente à sua imensa escrivaninha.

– Você disse alguns dias, Maise. Foram quase duas semanas sem qualquer notícia. Até meus pais já estavam preocupados. Onde estava?

– Descobri que meu pai tinha uma cabana na praia em um local chamado Portal do Sol. Fui até lá tentar descobrir algo sobre seu passado. Tinha esperança de encontrar algum parente, mas até agora nada. Em compensação encontrei pinturas dele que desconhecíamos. François, você precisa ver isto! São maravilhosas! – Peguei o tubo onde estavam enroladas e fomos em direção a uma mesa própria com luz que tinha para este fim. Abri e minha mãe surgiu radiante em todas elas.

– São espetaculares, Maise. Totalmente superiores e diferentes de tudo que seu pai produziu. Porque será que não continuou neste estilo? O que pretende fazer com elas?

– Não quero vender, François. Talvez futuramente possa doar para algum museu ou instituição que prometa mantê-las juntas, mas agora penso apenas em fazer uma mostra. Acho uma pena estas belezas continuarem escondidas. Quero que o mundo veja minha mãe pelos olhos de meu pai. Você pode organizar isto para mim?

– Lógico, querida! Será um sucesso, garanto! E esta? – Ele estava com minha tela de Adriel nas mãos. Esqueci que tinha guardado junto com as outras. Agora não dava mais para esconder. Senti vergonha. Meu trabalho perto das telas de meu pai parecia ainda pior e mais pobre.

– É minha, François. Estou tentando sem muito sucesso pintar Adriel. – Disse à guisa de desculpas. Ele ficou olhando-a por alguns momentos.

– Você evoluiu e está demonstrando tanto talento quanto seu pai, querida. Quando tiver mais telas podemos organizar uma mostra individual e se quiser posso incluir esta na exposição de jovens talentos mesmo com este tema pouco convencional. Um anjo? – Olhou com um pouco de descrença para Adriel. Fiquei radiante com o elogio, apesar de não querer expor Adriel.

– Obrigada, François. Você é gentil como sempre. Não quero mostrar esta tela. É pessoal, mas quando tiver outras vou lhe mandar, combinado? – Peguei-a de suas mãos, enrolei e guardei no tubo, deixando as de papai fora.

– Você decide. Venha jantar conosco esta noite, Maise. Meus pais acabaram de chegar de uma viagem à Grécia e adorariam ver você. – Olhei para Adriel, mas ele fez que não viu. Sabia que não tinha gostado de François pelo jeito como apertava minha cintura cada vez que ele me chamava de querida.

– Não sei. Fizemos uma longa viagem ontem e hoje o dia foi agitado.

– Maise, você precisa vir. Meus pais estão preocupados e continuarão perturbando até terem certeza de que está bem. Por favor, querida, faça isto por mim.

– Hum. Ok. Iremos então. – François disfarçou educadamente sua contrariedade ao meu “iremos”.

– Às 9:00 hs então? Quer que meu motorista vá pegá-los? – Estávamos já dirigindo-nos à saída.

– Não é necessário, obrigada. Adriel veio com seu carro e sei o caminho. – Despedimo-nos com apertos de mão e saímos à rua.

Adriel estava em silêncio desde que entramos na galeria, embora continuasse carinhoso como sempre, mantendo minhas mãos na dele. Pegamos um taxi até o supermercado próximo de casa e compramos comida para abastecer a geladeira de casa por semanas. Ele estava concentrado na tarefa parecendo fascinado por uma infinidade de alimentos esquisitos. Não duvidava que nunca tivesse ido a um supermercado, mas ainda assim pareceu-me fascinação demais para o gênero.

“Deve estar com ciúmes de François.” – Pensei, achando graça.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

03/07/2009 0 comment
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25) Viagem

by A Itinerante - Neiva 01/07/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva

Acordei com as vozes de Adriel e Tana discutindo lá fora. Ela viu-nos dormindo juntos e tirou conclusões erradas. Adriel explicou, mas Tana não o deixou escapar sem um sermão e ameaças sobre o que lhe aconteceria caso me “desrespeitasse”. Ri escondida ao ver aquele homão ouvindo quieto enquanto Tana vociferava com o dedo em riste apontado para seu rosto.

Fingi estar dormindo e “acordei” quando ela chamou. Tomei banho, café, preparei a mala e fiquei papeando com Tana enquanto aguardava Adriel voltar de sua casa. Ele demorou e a manhã já estava no fim quando chegou. Almoçamos rapidamente e saímos.

O dia estava agradável e avançamos rapidamente enquanto conversávamos. Descobrimos gostos parecidos em quase tudo que se referia à arte, música, cinema e literatura. Embora ele conhecesse mais obras clássicas e eu contemporâneas, concordávamos que o essencial era a qualidade. Ainda assim combinamos de conhecer um as obras que o outro gostava mais.

Após uma parada para abastecer, cobrei sua promessa de falar sobre seu trabalho hoje. Ele pareceu não estar com muita vontade de entrar neste assunto, mas falou.

– Os anjos nada mais são do que seres que já viveram aqui na Terra como vocês e continuam ligados e comprometidos com o planeta. Alguns viram anjos da guarda, outros trabalham em grupos ou aspectos específicos da vida na Terra, como por exemplo, a natureza, crianças, doentes, etc..

– Certo.

– Nossa atuação é limitada por dois aspectos. O primeiro é que não podemos desrespeitar o livre arbítrio dos seres humanos. O segundo é que não conseguimos agir de verdade. Só podemos tentar influenciar pessoas para que o façam. Se um anjo da guarda vê que seu protegido está prestes a suicidar-se, por exemplo, não pode impedir. Pode tentar fazê-lo mudar de idéia incutindo outros pensamentos ou tentar influenciar algum amigo para que o procure naquele momento. São muitos os eventos que poderíamos evitar e não podemos, porque não conseguimos fazer-nos ouvir através da transmissão de pensamentos, que vocês chamam de intuição. É frustrante.

– Estou entendendo.

– De tempos em tempos alguns de nós renascem na Terra para fazer algo em prol da Terra. Bem, o exemplo mais conhecido de todos é Jesus. Vários trabalham de forma anônima nas ciências, nos bastidores políticos, etc.. São casos muito pontuais, mas sempre existem alguns anjos renascidos trabalhando na Terra.

– E até mesmo de forma não anônima?

– Exato. Agora, da mesma forma que nós nos dedicamos a ajudar, grupos contrários dedicam-se a atrapalhar. Bom, é uma longa estória esta da luta entre anjos e demônios. Por hora basta dizer que não estão limitados como nós tanto por não se preocuparem com leis universais quanto por atuarem fisicamente na Terra.

– Como assim?

– Embora a maior parte aja como nós, inclusive com demônios renascidos, alguns grupos resolveram viver na Terra como humanos desistindo da imortalidade e ganhando um corpo humano real.

– Está dizendo que existem demônios vivendo entre nós, como se fossem humanos normais?

– Sim. Isto mesmo. Existem vários grupos deles, cada qual com sua ocupação. O grupo liderado pelo demônio Yzar dedica-se a impedir o sucesso dos benfeitores da humanidade, pessoas com talento e potencial para criar, produzir ou conduzir processos que podem ajudar a Terra. São nossos anjos renascidos ou humanos com potencialidade latente em alguma disciplina.

– Estou entendendo.

– Cansados de verem planejamentos de décadas serem arruinados por este grupo, o conselho percebeu que a única forma de derrotá-lo seria usando as mesmas armas, ou seja, atuando de forma física na Terra. Nosso complexo foi criado para acolher uma equipe de anjos que desistiram da imortalidade e ganharam corpos humanos. Protegemos os anjos benfeitores e tentamos destruir ou ao menos neutralizar o grupo de Yzar.

– E você?

– Os anjos com corpos perdem a capacidade de ver e ouvir os anjos imateriais ainda que seja necessária a troca de informações de um lado ao outro. Funciono como uma ponte entre ambos. E por ter experiência com este tipo de tarefa e ser o único a ter acesso ao conselho, sou também responsável pelo projeto, o dirigente do complexo.

– Entendi.

– Yzar e seu bando não sabem, mas adorariam saber a localização do complexo. Somos protegidos por uma barreira energética que nos oculta deles. Até agora tivemos sorte, mas não é impossível que nos encontrem. Neste caso seria perigoso para todos nós, mas você é a parte mais vulnerável e se ele souber de nossa ligação será seu alvo principal. Entende agora porque disse que não via possibilidades de futuro para nós? Não é apenas pela incerteza do tempo que tenho na Terra, mas também por meu trabalho, pelo perigo que representa a você.

– Não pode pedir demissão, comprar um barco e irmos viver no mar?

– Hahahaha. Maise, você é impagável! Estou falando sério!

– Eu sei. Só quis desanuviar um pouco. Vou pensar no que disse, mas não quero falar de impossibilidades agora. Além disto, combinamos ficar juntos até sua ida a Celes. Tenho certeza de que os tais conselheiros vão ajudar-nos de alguma forma.

– De acordo. Não falaremos mais nisto durante esta viagem. Agora, sobre o barco, qual local gostaria de conhecer primeiro?

Tive que sorrir. No restante do caminho fizemos o roteiro para nossa viagem náutica fictícia, percorrendo toda a Europa. Combinamos em deixar os outros continentes para as próximas viagens.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

01/07/2009 0 comment
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24) Tentações de Adriel

by A Itinerante - Neiva 28/06/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva

Levei Maise para casa um pouco após. Tínhamos que dormir cedo para a viagem amanhã, mas ficamos conversando e quando vimos era tarde já. Ia embora já, ao menos ia fingir ir.

Desde aquela noite da festa de Antônio e especialmente após a quase queda da árvore acostumei-me a passar as noites na cabana, vendo-a dormir. Não era realmente necessário e nem ela sabia, apenas quando tentava ficar em casa sentia-me agitado, nervoso e ansioso. Só acalmava-me ao vir aqui. Naturalmente estava envergonhado com a fraqueza de minha força de vontade. Minhas melhores intenções desabavam quando o assunto era Maise. Parecia que todos os séculos de autodisciplina e rigor não existiram ou simplesmente desapareceram e ainda não entendia completamente como isto poderia ser.

– Adriel, fique comigo esta noite. – Pediu ela olhando-me cândida e inocentemente.

– Fizemos um trato, lembra-se? Concordei com a viagem e a mudança provisória desde que as coisas entre nós permanecessem como estavam até meu retorno de Celes.

– Só quero dormir sabendo que está aqui. Prometo me comportar. – E beijou os dedos em cruz, como fazem as crianças quando prometem não fazer arte. Sorri.

– Está bem. Vá se trocar então e ficarei até que durma. – Ri quando foi correndo, antes que eu mudasse de idéia, como se isto fosse possível. Ficar era tudo o que queria e faria de qualquer forma, mesmo sem ter seu aval.

Voltou trajando um pijaminha de algodão apenas aparentemente casto e inofensivo. Dispensei a roupa que ofereceu. Era mais seguro continuar com as minhas.

– Deite-se aqui. – Deu um tapinha na cama ao seu lado. Deitei-me por sobre as cobertas.

Logo ela estava dormindo enroscada em mim, com uma perna sobre a minha, a cabeça em meu braço e um braço em meu peito. Eu mal respirava com receio de acordá-la ou, pior, perder o controle. Queria tocar e beijar seu corpo inteiro até que seu gosto e de cada contorno daquela que era única para mim entrassem na memória de meu corpo e lá ficassem para sempre.

Olhei seu rosto ainda mais suave assim adormecida. O que tinha para causar este efeito devastador em mim? Porque ao seu lado minha vontade se esvaia?

Éramos muito diferentes e não apenas pelas experiências de vida. Maise era sentimento puro, instinto, calor, reação onde eu era racionalidade e ponderação, mas parecia-me que a razão dela era mais efetiva que a minha e que seguindo apenas o instinto aproximava-se mais rápido da essência dos fatos, enxergando-os claramente. Sua reação à nossa conversa era uma comprovação disto. Tenho me preocupado em ser responsável e talvez tenha esquecido ou perdido o mais importante, como ela mencionou: a fé.

Como Deus poderia dar-nos isto para em seguida retirar? Não fazia sentido e sempre pensei que a fé não deve ser irracional. Estou tão acostumado ao previsível, ao esperado e sabido, que quando Maise surgiu em minha vida não soube avaliar corretamente e ela tão mais inexperiente ainda assim chegou imediatamente ao cerne da questão.

Observei-a novamente, admirando sua confiança, dormindo inocente e entregue em meus braços. Talvez Deus a tenha colocado em minha vida para que entendesse isto e para que aprendesse a lutar pelo que acredito a despeito das impossibilidades e das improbabilidades.

Lembrei-me de nosso beijo, buscando sem encontrar por paralelos em minhas memórias de outras vidas. Alguns rostos femininos passavam rapidamente, mas nenhum tivera o mesmo apelo que Maise. Seria por não ter ainda vivido um grande amor que não estava preparado para o próximo passo? O conselho teria muito a me dizer.

Abaixei o corpo até encostar meu rosto no travesseiro e continuei a olhando e lutando contra o desejo.

De alguma forma teria que me controlar para resistir não só naquela noite, mas em todas as outras que se seguiriam. Celes deveria estar em minha cabeça. Se não houvesse mesmo nenhuma forma de ficarmos juntos, não a macularia e ao menos esta culpa não sentiria. Algum dia encontraria outro homem e ele a tocaria pela primeira vez como deveria ser.

Senti-me queimar de vergonha pelos ciúmes e possessividade que seguiram este pensamento. Pessoas não pertencem a pessoas, recordei. Maise não era minha propriedade ainda que a quisesse apenas para mim e a idéia de outro homem a beijar me fizesse perder o fôlego.

Acabei adormecendo em meio a estes pensamentos.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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23) Beijo

by A Itinerante - Neiva 26/06/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva

– Depois, Maise, prometo. Talvez amanhã. Hoje já te fiz chorar e ainda nem jantamos.

– É verdade. Estou com fome. Voltemos ao jantar então. Tana fez uma paella simplesmente divina. Ainda bem que está no aquecedor. Você pode contar sobre teu trabalho durante a viagem.

– Que viagem???

– Para São Pedro, onde eu morava. Preciso trancar a matrícula da faculdade, tomar providências com o apartamento, visitar o marchand de meu pai, ah… Tantas coisas! Você vai comigo, não é? Não quero dirigir até lá e preciso ir de carro para trazer tudo que quero. Podemos sair de manhã bem cedo, logo após a praia. Acho que em dois dias resolvemos tudo.

– Maise!!! Você não ouviu nada do que falei?

– Lógico que ouvi. Você disse que não sabe quanto tempo ficará aqui na Terra e que indo embora vai deixar de ser “você” e passar a ser parte “deles”.

– Só contei isto para que entendesse porque seu plano de ficar aqui em Portal não era viável.

– Pois seu raciocínio está tortíssimo e agora sim é que não saio daqui mesmo. Se nosso tempo é pouco, não vou desperdiçar um único minuto que seja longe de você. Não que acredite neste futuro para nós. Penso que pode existir um sentido maior para nosso encontro. Ou acha mesmo que Deus seria cruel ao ponto de fazer-nos encontrar um ao outro para logo em seguida nos separar? Para um anjo, sua fé é bem limitada. Isto seria até preocupante, mas deixa-me é aliviada.

– Porque sente alivio com minha fé limitada?

– É óbvio que um anjo com uma fé tão precária ainda tem muito a evoluir. Portanto está longe do seu próximo passo evolutivo. – Concluiu radiante.

– Maise, confesso que você consegue dar nó em meu cérebro!

– Ah, Adriel! Mesmo que não acredite, que pense que não temos futuro, nós temos o presente. Vamos deixar de vivê-lo por um futuro que não sabemos qual será?

– Não quero que sofra se um dia eu tiver que ir.

– Vou sofrer, Adriel. Partirá meu coração, com certeza. Mas agora é tarde demais. Você fez o que devia e alertou-me para os riscos, mas o coração é meu, a decisão é minha. E quero ficar ao teu lado cada instante, cada segundo que puder.

– Tem certeza, querida?

– Absoluta. – Sorri. Não devia, mas estava feliz com sua teimosia. Comemos alegres, fazendo o planejamento da viagem. Fiz algumas ressalvas: ela não tomaria nenhuma atitude definitiva. Nada de vender a casa e coisas do gênero. Também decidi que no retorno eu iria a Celes e consultaria os conselheiros sobre nós. E que as coisas entre nós continuariam como estavam até minha volta. Ela concordou com tudo, ansiosa por manter meu apoio à sua mudança temporária para Portal.

Após o jantar toquei violoncelo para ela. Iria viver cada instante na Terra, como ela desejava, mas ainda que um fiapo de sua esperança estivesse criando raízes em mim enquanto não tivesse algo concreto dos conselheiros continuava não vendo futuro para nós. Meu coração ondulava entre a fé que renascia e a incerteza sombria. Então toquei Romance de Saint-Saens, tentando mostrar a ela um pouco de como me sentia.

Penso que toquei razoavelmente, porque mesmo após terminar ela permaneceu sentada e pensativa. Levantei-me e fui até ela.

– Lindo, anjo! Triste demais, mas muito lindo. – Suspirou e logo após, com seu jeito característico, bagunçou os próprios cabelos como se espantando a tristeza.

– Quero que ouça uma música. Trouxe alguns cds. Vamos ouvir na varanda? – Enquanto falava já se encaminhava para o aparelho de som. Separou um cd da pilha próxima, colocou, apertou o play e levou-me pela mão até a varanda.

– Dance comigo. – Parada em minha frente, colocou meus braços em torno de sua cintura e suas mãos apoiadas em meu peito.

– Esta música chama-se Janta e é linda. Quero ouvi-la assim, abraçada a você, dançando. – Segui seus passos lentos. Não era difícil. Difícil era concentrar-me em outra coisa que não fosse ela, que cantarolava baixinho acompanhando a canção.

Eu quis te conhecer, mas tenho que aceitar
Caberá ao nosso amor o eterno ou o não dá
Pode ser cruel a eternidade
Eu ando em frente por sentir vontade

Que bonito! A letra era perfeita e parecia escrita para nós. Trouxe-a um pouco mais próximo de meu corpo.

Eu quis te convencer, mas chega de insistir
Caberá ao nosso amor o que há de vir
Pode ser a eternidade má
Caminho em frente pra sentir saudade

Era a primeira vez que dançávamos e também era a primeira vez que nos abraçávamos assim. Ela era perturbadoramente quente e macia.

Clipes e lápis de cor na minha cama
Todos pensam que estou triste
Vou passear nas melodias e abelhas e pássaros
Ouvirão minhas palavras?
Estaremos nós dois e você e eles juntos?

Sem perceber estávamos dançando ainda mais lentamente. Ela me olhava enquanto tocava meu rosto com a ponta dos dedos. Eu estava praticamente paralisado. Hipnotizado era a melhor definição.

Eu posso esquecer de mim mesmo
Tentando ser todos os outros
Eu sinto que podemos ir embora
Me delicie hoje
Eu te deixo ficar se você se render

Ela traçou o contorno de minha boca, olhando-a e umedeceu levemente os lábios. Não me recordo de ter pensado. Apenas reagi. Beijei-a levemente, querendo sentir seu gosto em meus lábios. Eles eram ainda mais macios do que imaginara tantas vezes. E doces.

– Hum… Bom! – Levantei o rosto e toquei meus próprios lábios com a língua para sentir melhor seu sabor. Ela apenas sorriu levemente. Beijei-a novamente.

– Abra. – Ela disse após um instante, tocando com a ponta da língua onde meus lábios se encontravam fechados. Abri um pouco.

– Mais. – Ela pediu, enquanto seus lábios sugavam um dos meus. Abri. Senti sua língua entrando em minha boca e tocando-a por dentro. A sensação de que parte dela estava em mim centuplicava todas as sensações e quando ela começou a sugar minha língua para dentro dela, pensei que meu coração pararia se isto fosse possível.

De repente ela interrompeu o beijo, agarrando-me ainda mais forte. – Adriel! – Exclamou. Demorei um pouco para sair do entorpecimento e voltar à realidade. O que teria acontecido?

– Olhe! – Disse, olhando para baixo. Acompanhei seu olhar, vendo a varanda lá embaixo. Eu tinha flutuado com ela, sem perceber.

Descemos rindo, estupidamente felizes.

Texto registrado no Literar.

Imagem do beijo daqui.

Agradecimentos à Lídia por sugerir-me Romance de Saint-Saens, a música perfeita para Adriel tocar neste momento.

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22) A verdade sobre Adriel

by A Itinerante - Neiva 24/06/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva

– Maise! – Ela não estava à vista, mas assim que chamei apareceu na porta da varanda.

– Humm… Você está lindo com estas calças jeans e camiseta preta. Sabe que é minha roupa predileta? – Perguntou despudoradamente como sempre, enquanto pegava meu braço e levava-me em direção à mesa. Sentamos.

– Você também está linda hoje. Mais do que linda, deslumbrante. – Sentia cheiro de Tana neste jantar. O que estava acontecendo aqui? – Querida, o que estamos comemorando?

– Decidi ficar em Portal do Sol. Não vou mais voltar a morar na cidade. Quero ficar com você e Tana, no lugar onde meus pais se conheceram. Quero ficar aqui. É meu lugar. Não acha que merece uma comemoração?

– Você só está aqui há algumas semanas. Não é pouco tempo para uma decisão tão importante?

– Não tenho nada na cidade mais importante do que o que tenho aqui.

– E a faculdade? Fará falta para você em sua pintura e talvez futuramente em sua carreira.

– Não. Meus professores não se incomodarão de continuar orientando por email, caso possa ir até lá algumas vezes para mostrar a evolução de meu trabalho.

– Querida, tem certeza? É tão distante da civilização, está isolada até mesmo da vila. Não é saudável.

– Adriel! Você não me quer aqui? É isto? – Vi em seus olhos a mágoa.

– Não, Maise! Você sabe o quanto gosto de sua presença. Estou pensando em você, no seu futuro.

– Meu futuro é com você, Adriel. Não quero outro. – Os olhos já estavam úmidos e o apetite para o jantar parecia perdido, de forma que levantei, peguei em sua mão e fomos para o sofá.

– Maise, amor. Queria tanto, mas não existe futuro para nós. – Disse isto com cuidado, enquanto acarinhava seus cabelos.

– Porque não, Adriel? Porque não podemos continuar deste jeito para sempre? Somos felizes aqui. – Uma lágrima ameaçava cair de seus olhos marejados.

– Por tantas coisas. Para começar sou um anjo. Não sei quanto tempo permanecerei aqui e quando terei que retornar para minha cidade. Lá meu futuro já está definido e não existe espaço para este tipo de amor. Não posso iludir você, deixar acreditar em algo que pode ter fim amanhã.

– Você irá embora? – As lágrimas que segurava caíram pelo seu rosto delicado. Não gostaria nunca de vê-la chorando, mas saber que eu tinha as provocado era ainda pior. Queria apagar minhas palavras e fazer de conta nem que fosse por uma única vez que era humano como ela, jantar dizendo amenidades e depois beijá-la até saciar esta fome selvagem, mas não seria correto.

– Vivo já há milhares de ano e conquistei há tempos a imortalidade. Não preciso mais passar por vidas em planetas como a terra. A evolução que resta é tornar-me cada vez mais imaterial e fundir minha consciência à de outras em igual estágio, deixando de ser uma “pessoa” e passando a ser parte de um coletivo.

– Como assim?

– Digamos que toda energia têm que passar por determinados estágios desde o momento em que se origina como centelha imperfeita, promessa de vida, até o momento em que retorna à fonte que a gerou como centelha novamente, mas desta vez, de luz perfeita. De pedra bruta a diamante lapidado. É este o ciclo que mantém a fonte da vida em constante fluir. Entende?

– Acho que sim.

– Ultrapassei quase todos os estágios evolutivos enquanto consciência individualizada, que é o que chamamos de “eu”. Somente os “eus” possuem corpos. Deste ponto em diante vamos perdendo o corpo e a individualidade. Deixamos de ser “um” e passamos a integrar o “nós”. É uma união de mentes na mesma sintonia que formam uma mente mais poderosa, capaz de agir mais efetivamente pelo universo através da vibração potencializada.

– Mas isto é como morrer!

– De certa forma. Morremos como individualidades, mas prosseguimos enquanto essência.

– Não, Adriel. Você não pode!

– Antes de vir para a Terra era meu destino, querida. Ao perceber que não estava pronto, os conselheiros deram-me esta tarefa. Não tenho um prazo delimitado, mas não penso que poderei continuar indefinidamente aqui, desta forma. Mesmo o que faço para parecer humano é algo novo. Ninguém sabe por quanto tempo poderei continuar mantendo esta forma.

– Como assim, “parecer” humano?

– Meu corpo real é feito da mesma substância de minhas asas. É tão leve que parece imaterial para os humanos. Não sei como você consegue vê-las. Ninguém da Terra consegue. Para que consigam me ver e ouvir utilizo o mesmo recurso que todos os anjos que necessitaram ser vistos utilizaram no passado: absorvo energias mais pesadas do planeta. Elas preenchem os vácuos de minha matéria fluídica dando-lhe aparência e consistência de corpo, apesar de não ser carne, pele e ossos de verdade.

– Não? – Tocou meu braço, incrédula.

– Não. Tem a mesma forma e funciona como corpo humano, mas não é. Mantém-se pela vontade apenas e quando quero posso desfazer-me do excesso acumulado e retornar à imaterialidade e transparência. O que ocorre é que estas duas etapas, tanto a materialização quanto a desmaterialização são desgastantes e doloridas. Serve bem quando é feito eventualmente, mas quando é constante fica impraticável.

– E é por isto que você fica sempre da mesma forma?

– Exato. Quando surgiu esta tarefa deparamo-nos com a dificuldade de ter que materializar-me constantemente para ser visto e ouvido pelos humanos. A saída que imaginamos foi manter-me materializado pelo maior tempo possível, embora ninguém soubesse como se daria isto na prática, uma vez que nunca foi feito.

– Nunca?

– Nunca. Nos primeiros tempos foi difícil ter estas energias pesadas impregnadas em meu corpo. É como se estivesse poluído. Aos poucos fui acostumando-me e hoje nem percebo direito. Também, no início ia mais a Celes, minha cidade no astral. Comecei a espaçar as viagens porque demorava a adaptar-me tanto lá quanto aqui, no retorno. Agora já estou há quase um ano aqui, mas terei que visitar Celes o mais breve possível. Devo fazer os testes clínicos para avaliar as condições de meu corpo astral e também falar com os conselheiros sobre o andamento de meu trabalho.

– E qual é seu trabalho? – Não queria falar sobre isto. Ela iria chorar novamente.

Nota: Embora este não seja um romance religioso, sendo o personagem principal um anjo não tenho como explicá-lo sem entrar neste campo. O que Adriel menciona neste post e no seguinte é baseado em conceitos comuns à várias correntes espiritualistas. Para quem se interessar, apenas como exemplo, cito o Espiritismo de Allan Kardec ou consultas na net sobre os 7 planos astrais e os 7 corpos humanos. Sobre estes últimos um livro sensacional é Mãos de Luz de Barbara Ann Brennan.

No que diz respeito à materialização, o processo em si é baseado nos conceitos já mencionados, mas sua manutenção por tempo prolongado é uma extrapolação à teoria que foi necessária para a estória.


Texto registrado no Literar.

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21) Jantar Romântico

by A Itinerante - Neiva 22/06/2009
Escrito por A Itinerante - Neiva

Tirei os sapatos assim que estacionei o carro. Ao sair desatei a gravata, abri o colarinho da gravata e estava já tirando o blaizer ao entrar em casa, desesperado para me ver livre daquelas roupas sociais e para ver Maise. Procurei encurtar minha ausência para não ficar muito tempo longe, mas mesmo estas poucas horas foram demais. Estava desabotoando os botões da camisa quando a vi.

Ela estava colocando flores na mesa de jantar, usando um vestido azul curto e sandálias altas que destacavam pernas e quadris e quando me ouviu, virou-se. Parei atordoado, sem conseguir respirar direito. Estava linda! O vestido acompanhou seus movimentos, ondulando ao redor de seu corpo como uma carícia e desejei ser aquele pano, mesmo que jamais conseguisse a tocar de forma tão leve.

Seu rosto estava diferente, com os olhos maiores e mais azuis. A boca estava levemente rosada e como que molhada e precisei de alguns segundos para controlar o impulso de beijá-la e sentir com meus próprios lábios a maciez que evocava. Suspirei fundo.

– Oi. – Cumprimentei-a com um sorriso, deliciado.

– Oi. – Respondeu, sorrindo-me também e vindo para mais perto e seu perfume característico, com algumas notas de flores, mas não muito doce, entrou em minhas narinas e quando chegou perto, coloquei minhas mãos em seus braços para trazê-la mais perto e aspirei fundo próximo aos seus cabelos, querendo intoxicar-me ainda mais de seu cheiro.

– Estamos comemorando algo? – Perguntei mais para ter algo com que me ocupar até que o entorpecimento que sentia diluísse o suficiente para que conseguisse raciocinar coerentemente.

– Sim. Contarei no jantar. Porque não vai tomar um banho e colocar uma roupa mais confortável? Não que me importe se quiser continuar a tirar esta roupa aqui. – E sorriu olhando com apreciação para meu peito ainda coberto pela camisa. Eu adorava este seu despudor, esta franqueza desavergonhada com que demonstrava me querer.

– Maise, senti sua falta. – Segurei seu queixo, para levantar seus olhos para mim.

– Também, anjo. Por menos tempo que fique fora, sempre parece ser demais. – Toquei seu rosto com uma mão, enquanto a outra apoiava sua nuca, abaixo dos cabelos. Dei-lhe um pequeno beijo no alto da cabeça e fui tomar meu banho, gelado.

Era evidente que não resistiria muito mais tempo. Eu a queria alucinadamente e era cada dia mais difícil controlar meu toque para não avançar além do que havia me imposto. O correto seria me afastar dela, de uma vez por todas. Mas como?

Não saberia mais viver sem ela. Como voltaria para uma casa vazia depois desta noite, de ser recebido desta forma? Como seria possível retornar àquela existência anterior feita de silêncio e ausências? Como continuar respirando sem sentir seu cheiro e, pior, sabendo que estaria tão perto? Não seria possível. Eu precisava de Maise, de seu humor, de sua felicidade, de seu sorriso e calor.

Agora entendia completamente todos os anjos que desistiram da imortalidade para viverem como humanos. Eu faria o mesmo imediatamente se fosse possível, mas esta não seria uma solução para nós. Durante todos estes dias tentei encontrar uma forma de poder continuar a seu lado e não consegui avançar nem um milímetro.

Não me sentia no direito de comprometer Maise sem ver futuro para nós. Sabia que ela também me amava, mas era jovem e inexperiente. Poderia ter uma vida feliz com outro homem. Por mais que doesse pensar nisto, era a realidade. Ela era só, não tinha pais, irmãos ou parentes conhecidos. Não apenas poderia como deveria construir uma família e somente longe de mim poderia fazer isto. Já que seus pais não podiam velar por ela e a proteger e aconselhar eu tinha o dever moral de o fazer e de buscar para Maise o melhor. Eu não era o melhor para ela, infelizmente.

Com estes pensamentos na cabeça, voltei à sala que agora estava com algumas luzes apagadas para destacar a iluminação das velas na mesa. Uma melodia suave tocava no aparelho de som. Romântica.

“Estou perdido!”

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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