Chegamos a São Pedro no início da noite. Minha casa ficava em um bairro residencial e fiquei contente ao entrar nela novamente.
É lógico que a geladeira estava vazia forçando-nos a sair para comer algo. Estávamos cansados demais para um jantar demorado e fomos a uma lanchonete. Adorei comer sanduíches com coca-cola ao seu lado.
Na volta tomamos um banho rápido e preparamo-nos para dormir. Usar o quarto de meus pais parecia errado e embora minha cama de solteiro fosse grande, era pequena para nós dois. Adriel quis dormir no sofá, mas é lógico que não deixei. Ficamos em um impasse e acabei concordando em usar a cama grande. Cansada como estava adormeci em poucos minutos.
Logo cedo no outro dia fomos à faculdade. Como estávamos em férias poucos alunos estavam na secretaria e foi rápido. Tive apenas que preencher alguns documentos para transferir meu curso normal para o à distância. Peguei a senha para acessar o curso pela internet, algumas apostilas e a agenda com os poucos comparecimentos que faria no decorrer do próximo semestre.
Adriel estava provocando um incêndio nas garotas presentes e parecia não perceber. Caminhamos abraçados pelos corredores da faculdade e senti-me estourando de orgulho por ele estar comigo e não com elas – uma bela compensação pelos anos todos em que me senti um peixe esquisito fora d´água.
Na hora do almoço comemos em um pequeno empório próximo da faculdade que era uma mistura de restaurante e armazém de produtos culinários, com mesas espalhadas entre as prateleiras. Meio exótico, com toque rústico e comida caseira simplesmente divina.
Comemos filé ao molho madeira tomando suco de frutas porque Adriel não bebia bebidas alcoólicas. Ao final deliciamo-nos com torta de frutas vermelhas e sorvete. Precisamos ficar ali mais uma meia hora até termos condições de andar novamente. Saímos lentos, pesados e preguiçosos como gatos gordos e velhos após o almoço.
A galeria não era longe e decidimos ir a pé para exercitar um pouco, cortando caminho pelo parque. Ao entrarmos estávamos rindo de nossos narizes e bochechas que ficaram vermelhas com a caminhada no vento frio e todos no ambiente silencioso viraram para olhar.
A Galerie Claire era uma das mais elegantes da cidade e representava os melhores artistas da atualidade. François, o proprietário e também marchand de meu pai, era ainda bastante jovem, mas nascera respirando quadros e esculturas e quando seus pais resolveram aposentar cedo assumiu a direção com habilidade. Seus pais e os meus eram amigos desde que consigo lembrar e François e eu crescemos juntos. Antes de herdar a galeria ele passou uma temporada estudando na Europa e tínhamos nos afastado um pouco, mas era o mais próximo de um amigo que tinha.
Ele surgiu por uma porta com os braços estendidos em minha direção. Era loiro como eu e belíssimo, ainda que não tanto quanto Adriel. Usava terno e tinha os cabelos bem penteados. A gravata irreverente deixava-o moderno e charmoso.
– Maise, querida! Estava tão preocupado com você! – Ia me abraçar, mas Adriel colocou uma mão em minha cintura trazendo-me mais perto dele e não tive outra opção que não fosse dar-lhe a mão, sem graça.
– François! Que bom te ver também! Quero te apresentar Adriel, meu namorado. – Apresentei os dois que cumprimentaram um ao outro educada e friamente.
– Preocupado por quê? Avisei que estaria fora por alguns dias. – Tentei mudar as atenções para a conversa enquanto ele nos encaminhava a seu escritório. Sentamo-nos em frente à sua imensa escrivaninha.
– Você disse alguns dias, Maise. Foram quase duas semanas sem qualquer notícia. Até meus pais já estavam preocupados. Onde estava?
– Descobri que meu pai tinha uma cabana na praia em um local chamado Portal do Sol. Fui até lá tentar descobrir algo sobre seu passado. Tinha esperança de encontrar algum parente, mas até agora nada. Em compensação encontrei pinturas dele que desconhecíamos. François, você precisa ver isto! São maravilhosas! – Peguei o tubo onde estavam enroladas e fomos em direção a uma mesa própria com luz que tinha para este fim. Abri e minha mãe surgiu radiante em todas elas.
– São espetaculares, Maise. Totalmente superiores e diferentes de tudo que seu pai produziu. Porque será que não continuou neste estilo? O que pretende fazer com elas?
– Não quero vender, François. Talvez futuramente possa doar para algum museu ou instituição que prometa mantê-las juntas, mas agora penso apenas em fazer uma mostra. Acho uma pena estas belezas continuarem escondidas. Quero que o mundo veja minha mãe pelos olhos de meu pai. Você pode organizar isto para mim?
– Lógico, querida! Será um sucesso, garanto! E esta? – Ele estava com minha tela de Adriel nas mãos. Esqueci que tinha guardado junto com as outras. Agora não dava mais para esconder. Senti vergonha. Meu trabalho perto das telas de meu pai parecia ainda pior e mais pobre.
– É minha, François. Estou tentando sem muito sucesso pintar Adriel. – Disse à guisa de desculpas. Ele ficou olhando-a por alguns momentos.
– Você evoluiu e está demonstrando tanto talento quanto seu pai, querida. Quando tiver mais telas podemos organizar uma mostra individual e se quiser posso incluir esta na exposição de jovens talentos mesmo com este tema pouco convencional. Um anjo? – Olhou com um pouco de descrença para Adriel. Fiquei radiante com o elogio, apesar de não querer expor Adriel.
– Obrigada, François. Você é gentil como sempre. Não quero mostrar esta tela. É pessoal, mas quando tiver outras vou lhe mandar, combinado? – Peguei-a de suas mãos, enrolei e guardei no tubo, deixando as de papai fora.
– Você decide. Venha jantar conosco esta noite, Maise. Meus pais acabaram de chegar de uma viagem à Grécia e adorariam ver você. – Olhei para Adriel, mas ele fez que não viu. Sabia que não tinha gostado de François pelo jeito como apertava minha cintura cada vez que ele me chamava de querida.
– Não sei. Fizemos uma longa viagem ontem e hoje o dia foi agitado.
– Maise, você precisa vir. Meus pais estão preocupados e continuarão perturbando até terem certeza de que está bem. Por favor, querida, faça isto por mim.
– Hum. Ok. Iremos então. – François disfarçou educadamente sua contrariedade ao meu “iremos”.
– Às 9:00 hs então? Quer que meu motorista vá pegá-los? – Estávamos já dirigindo-nos à saída.
– Não é necessário, obrigada. Adriel veio com seu carro e sei o caminho. – Despedimo-nos com apertos de mão e saímos à rua.
Adriel estava em silêncio desde que entramos na galeria, embora continuasse carinhoso como sempre, mantendo minhas mãos na dele. Pegamos um taxi até o supermercado próximo de casa e compramos comida para abastecer a geladeira de casa por semanas. Ele estava concentrado na tarefa parecendo fascinado por uma infinidade de alimentos esquisitos. Não duvidava que nunca tivesse ido a um supermercado, mas ainda assim pareceu-me fascinação demais para o gênero.
“Deve estar com ciúmes de François.” – Pensei, achando graça.
Texto registrado no Literar.
Imagem daqui.