Tirei os sapatos assim que estacionei o carro. Ao sair desatei a gravata, abri o colarinho da gravata e estava já tirando o blaizer ao entrar em casa, desesperado para me ver livre daquelas roupas sociais e para ver Maise. Procurei encurtar minha ausência para não ficar muito tempo longe, mas mesmo estas poucas horas foram demais. Estava desabotoando os botões da camisa quando a vi.
Ela estava colocando flores na mesa de jantar, usando um vestido azul curto e sandálias altas que destacavam pernas e quadris e quando me ouviu, virou-se. Parei atordoado, sem conseguir respirar direito. Estava linda! O vestido acompanhou seus movimentos, ondulando ao redor de seu corpo como uma carícia e desejei ser aquele pano, mesmo que jamais conseguisse a tocar de forma tão leve.
Seu rosto estava diferente, com os olhos maiores e mais azuis. A boca estava levemente rosada e como que molhada e precisei de alguns segundos para controlar o impulso de beijá-la e sentir com meus próprios lábios a maciez que evocava. Suspirei fundo.
– Oi. – Cumprimentei-a com um sorriso, deliciado.
– Oi. – Respondeu, sorrindo-me também e vindo para mais perto e seu perfume característico, com algumas notas de flores, mas não muito doce, entrou em minhas narinas e quando chegou perto, coloquei minhas mãos em seus braços para trazê-la mais perto e aspirei fundo próximo aos seus cabelos, querendo intoxicar-me ainda mais de seu cheiro.
– Estamos comemorando algo? – Perguntei mais para ter algo com que me ocupar até que o entorpecimento que sentia diluísse o suficiente para que conseguisse raciocinar coerentemente.
– Sim. Contarei no jantar. Porque não vai tomar um banho e colocar uma roupa mais confortável? Não que me importe se quiser continuar a tirar esta roupa aqui. – E sorriu olhando com apreciação para meu peito ainda coberto pela camisa. Eu adorava este seu despudor, esta franqueza desavergonhada com que demonstrava me querer.
– Maise, senti sua falta. – Segurei seu queixo, para levantar seus olhos para mim.
– Também, anjo. Por menos tempo que fique fora, sempre parece ser demais. – Toquei seu rosto com uma mão, enquanto a outra apoiava sua nuca, abaixo dos cabelos. Dei-lhe um pequeno beijo no alto da cabeça e fui tomar meu banho, gelado.
Era evidente que não resistiria muito mais tempo. Eu a queria alucinadamente e era cada dia mais difícil controlar meu toque para não avançar além do que havia me imposto. O correto seria me afastar dela, de uma vez por todas. Mas como?
Não saberia mais viver sem ela. Como voltaria para uma casa vazia depois desta noite, de ser recebido desta forma? Como seria possível retornar àquela existência anterior feita de silêncio e ausências? Como continuar respirando sem sentir seu cheiro e, pior, sabendo que estaria tão perto? Não seria possível. Eu precisava de Maise, de seu humor, de sua felicidade, de seu sorriso e calor.
Agora entendia completamente todos os anjos que desistiram da imortalidade para viverem como humanos. Eu faria o mesmo imediatamente se fosse possível, mas esta não seria uma solução para nós. Durante todos estes dias tentei encontrar uma forma de poder continuar a seu lado e não consegui avançar nem um milímetro.
Não me sentia no direito de comprometer Maise sem ver futuro para nós. Sabia que ela também me amava, mas era jovem e inexperiente. Poderia ter uma vida feliz com outro homem. Por mais que doesse pensar nisto, era a realidade. Ela era só, não tinha pais, irmãos ou parentes conhecidos. Não apenas poderia como deveria construir uma família e somente longe de mim poderia fazer isto. Já que seus pais não podiam velar por ela e a proteger e aconselhar eu tinha o dever moral de o fazer e de buscar para Maise o melhor. Eu não era o melhor para ela, infelizmente.
Com estes pensamentos na cabeça, voltei à sala que agora estava com algumas luzes apagadas para destacar a iluminação das velas na mesa. Uma melodia suave tocava no aparelho de som. Romântica.
“Estou perdido!”
Texto registrado no Literar.
Imagem daqui.