Chegamos a pouco a São Luis. Fazia já três semanas que havíamos nos casado e que estávamos navegando pela costa do nordeste brasileiro. Mais uma semana apenas e voltaríamos para casa.
Casa… Sorri ao sentir a sensação quente e reconfortante ao pensar em Portal do Sol e em nossas duas casas, a maior de Adriel onde viveríamos e a cabana que seria sempre nosso refúgio.
Olhei para ele recém saído do chuveiro e admirei-me ainda uma vez por sua beleza, sem conseguir ainda acreditar que aquele monumento de homem fosse meu marido e que fôssemos tão felizes.
Estávamos preparando-nos para desembarcar quando seu celular tocou. Paramos um segundo olhando-o intrigados. Não tocara nestas semanas. Nós é que tivemos que ligar para casa depois de algum tempo, em busca de notícias.
Adriel atendeu, ficou ouvindo sem quase falar e desligou dizendo que estávamos indo.
– Era Elros. O complexo e o Portal estão sendo atacado por demônios e elfos negros.
Parece que a situação é séria. Temos que ir agora. – Ele falou apressado ao mesmo tempo em que colocava o restante das roupas.
– Como iremos, amor? De avião? De barco demoraremos muito.
– Mesmo com avião não daria tempo. Deixaremos o barco aqui e vamos voando. Está pronta?
– Adriel, sinto uma sensação ruim. Sei que não podemos deixar de ir, mas tenho medo.
– Também sinto, pequena. Fique aqui à minha espera. Voltarei assim que puder e continuaremos nossa lua de mel. – Ele tinha sentado à beira da cama, comigo ao seu colo, como sempre fazia quando queria que eu prestasse atenção. Uma de suas mãos segurava as minhas enquanto a outra arrumava um cacho de cabelo atrás de minha orelha.
– Não. Nem pensar. Ficaria louca aqui, sem notícias suas e além disto, é meu povo também e minha responsabilidade. Se tivesse concordado com Elros e fechado o Portal eles estariam seguros.
– Fechar o Portal estava fora de cogitação. Você não poderia perder contato com seus únicos parentes. Não se culpe. – E beijou-me no rosto, carinhosamente, ao dizer isto.
– Pode ser, mas quero ir junto e estamos perdendo tempo com esta conversa. Vamos.
– Está certo, querida. Apenas quando chegarmos ficará fora da área de luta, Não quero que corra perigo.
Levantamo-nos e antes de partir, agarramo-nos, trocando um beijo esfomeado.
Adriel pegou-me em seus braços tão fácil como se fosse um pacotinho de 1kg de arroz e voou em direção às nuvens para não despertar atenção.
Ele voou o mais rápido que pode e chegamos a Portal do Sol em menos de 20 minutos. Do alto avistamos explosões em várias partes do complexo, deixando rastros de fumaça escura.
Pousamos na varanda de nossa casa onde a confusão parecia se concentrar, com uma profusão de anjos e demônios lutando em duplas em meio a elementais de Etera engalfinhados com elfos negros.
Apontei a Adriel um dos cantos e seguindo meu olhar deu com Yzar e Eileen que apenas observavam o desenrolar da disputa. Ambos estavam ricamente trajados e em pose altiva, denotando serem os líderes dos invasores.
Alguns anjos de Celes estavam próximos, procurando chegar até o bandido, mas sem conseguir passar pela sua guarda. Avistamos Gnon Knur comandando um grupo de arqueiros que atiravam flechas explosivas contra os demônios e vários outros elementais conhecidos envolvidos na luta.
Elros chegou por trás de nós, usando um escudo e uma espada para bater naqueles inimigos que se aproximavam.
– Adriel, Maise! Que bom que vieram, mas precisamos tirar Maise daqui e levá-la até onde estão as mulheres e crianças.
– Onde está Tana? E Niis? Estão seguros? – Indaguei ao lembrar-me de meus dois melhores amigos.
– Sim, mas recusaram-se a ficar no abrigo e estão na defesa do Portal, com o restante dos Gnomos e Fadas.
Os demônios tinham percebido nossa presença e é lógico que agora se aproximavam ávidos para o ataque. Adriel era seu maior inimigo e eu era a herdeira de Etera. Éramos os melhores alvos.
Elros protegia-nos com o escudo e Adriel fazia uma pequena ventania com suas asas, dificultando a aproximação.
– Vamos, Maise. Vou tirar você daqui. – Ele disse.
Tudo aconteceu em breves segundos, mas foi tão intenso que pareceram durar horas.
– Olhem o anjinho chegou. Trouxe a amada como escudo? – Yzar falou, concentrando as atenções.
– Fique longe dela, Yzar. Sua disputa é comigo. – Respondeu Adriel, abraçando-me.
Foi neste momento que vi minha avó Selena e minha mãe Luna surgirem na frente dele, caminhando para minha direção com expressões preocupadas.
– Vovó, Mamãe! – Exclamei surpresa, enquanto um grupo que chegara pela lateral atacava Adriel e Elros com intensidade, fazendo-o soltar minha cintura e forçando-o a se defender.
Elas chegaram até onde estávamos e posicionaram-se ao meu redor. Percebi que estava sendo envolvida por uma camada energética grossa, apesar de transparente. Olharam-me sorrindo e pegaram em minhas mãos.
Distraídos como estávamos, Adriel e Elros lutando com o grupo de demônios e eu com a presença de minha mãe e avó, esquecemos Yzar. Não vimos que dera forma a uma flecha de fogo e que a apontava em minha direção.
– Maise, cuidado! – Foi Adriel o primeiro a perceber quando ela já tinha sido atirada certeira em rumo ao meu coração.
Empurrou-me para o lado rapidamente e cai no chão, sem poder lhe contar que estava protegida pela barreira feita por minha avó e minha mãe.
Olhei para cima a tempo de ver a flecha atingindo-o em cheio e explodindo em seu coração.
– Adriel! Não!!! – Gritei, levantando enquanto ele tombava.
Aproximei-me junto com todos e fiquei desesperada com o sangue que saia de seu corpo e aquelas pessoas tampando todo o espaço. Não sei como fiz aquilo. Apenas quis que todos sumissem, desaparecessem, para que pudesse ver e ajudar Adriel direito. Senti a expansão da barreira que me envolvia, empurrando todos que estavam próximos para longe.
Quando me abaixei e vi seu estado, senti tanta fúria contra Yzar, Eileen, os demônios e elfos negros que não percebi estar canalizando este sentimento junto com a barreira em forma de forte vendaval que arrastou todos para os ares e para fora.
Ele estava inconsciente, agora quase todo coberto por sangue. Respirava ainda, fracamente.
– Adriel, amor, estou aqui. Ouve-me? Fique calmo. Tudo ficará bem. Vou chamar as fadas de cura.
Levantei a cabeça e só então percebi o silêncio e o final das lutas. Minha mãe e minha avó tinham desaparecido e Elros, Gnom e Liah aproximavam-se rapidamente.
– Maise. – A voz dele era muito fraca. Estava com os olhos abertos. Abaixei-me para ficar próxima ao seu rosto.
– Psiu. Não fale, querido. Eles já estão chegando.
– Não há mais tempo. Não se esqueça do que me prometeu. Procure ser feliz. – Cada frase era seguida por uma golfada de sangue.
– Quieto, amor. Descanse. Depois falaremos. – Eu estava apavorada e as lágrimas desciam sem controle enquanto tentava estancar o sangue que jorrava de seu peito.
– Eu te amo. – Adriel continuou a olhar-me com seus doces e ternos olhos verdes, mas a cabeça tombou em minhas mãos e ficou imóvel.
– Adriel!!! Resista, amor. Por favor, resista. Não me deixe. – Eu procurava sentir seu coração dilacerado pela flecha.
– Vovó, Mamãe! Por favor, ajudem-nos! – Pedi, implorando, mesmo sem vê-las.
Neste momento os três chegaram até nós e olhei para eles suplicante.
– Ele desmaiou. Por favor, tragam as fadas de cura, rápido!
Eles olharam para Adriel e trocaram olhares entre si. Então vi!
A camada de energia que sempre envolvera Adriel e que eu achava tão linda estava movimentando-se em torno de seu corpo e pequenas partículas brilhantes dispersavam-se, saindo dele e desaparecendo no céu.
– Façam algo, rápido! Ajudem-me! – Eu tentava com as mãos segurar o que ele chamara de aura e impedir que saísse de seu corpo, mas eram cada vez mais rápidas e não dava conta. Quando vi que atravessam minhas mãos, percebi a inutilidade do gesto.
– Eliah! O que está acontecendo? Porque a aura está saindo dele e dispersando no ar?
– Maise… – Ele abaixou-se e tentou pegar minhas mãos. Vi seu olhar entristecido e não quis sua aproximação.
Levantei-me tentando novamente segurar as centelhas brilhantes que agora eram como uma nuvem despregando-se de seu corpo. Logo estavam alto demais para que sequer as tocasse e vi quando sumiram no azul.
Olhei novamente para Adriel. Ele estava diferente. Era seu corpo, mas não parecia ele. Era só a casca vazia feita com as energias da Terra que aderiram ao seu corpo espiritual, pensei com um sopro de esperança. Adriel não estava ali. Onde estava?
– Eliah, para onde ele foi? – Sem esperar por resposta, saí procurando-o pela casa, dizendo alto seu nome.
Quando vi que não estava ali, lembrei-me da cabana. Sim! É lógico! Adriel estava lá, à minha espera.
Saí correndo pela praia, mal percebendo todos os anjos e elementais que rodeavam a casa em profundo silêncio.
Cheguei sem fôlego à cabana e abri com um empurrão a porta.
– Adriel! Adriel, amor, onde você está! Estou aqui. – A cabana estava vazia e parei alguns instantes, confusa.
– Sim. A praia. É para lá que foi para refazer-se. É o que ele faz quando precisa renovar energias.
Sai rápido e atravessei correndo a pequena trilha em direção à praia.
Lá estava sua pedra. Vazia.
Aproximei-me sem acreditar, chamando-o ainda e quando concebi que não tinha outro lugar onde procurar, desesperei-me com a sensação de dor e vazio em meu peito.
– Adriel!!!! Adriel!!!
Gritei em direção ao horizonte e ao universo, com toda minha voz e força até que ela acabou-se e minha voz tornou-se apenas um lamento triste. Os joelhos dobraram-se na areia próxima à pedra de Adriel e agarrei-me a ela, soluçando e dizendo baixinho seu nome.
– Adriel. Adriel. Meu amor. Onde você está?
…
Texto registrado no Literar.