Ainda era noite. Depois que deixei Maise em casa, tentei relaxar tocando. Apesar de ter escolhido uma composição que combinava com meu estado de espírito, não consegui me abandonar à música. Também não consegui me prender na leitura. Nada parecia capaz de tirá-la de minha mente. Acabei me dando por vencido.
Sentei na varanda com o céu estrelado sob minha cabeça e o ruído pacificador no mar ao fundo e deixei os pensamentos vagarem a vontade. E mesmo isto não foi o suficiente. Ao contrário, apenas aprofundou o desejo de estar novamente com ela, ao menos próximo. Foi quando cometi a insanidade de voar até sua cabana, apenas para estar perto.
Estava trapaceando, enganando-me. Sabia disto. Não iria conseguir apenas ficar do lado de fora, mas seria demais admitir isto inteiro. Tinha que engolir pequenas partes de cada vez desta esquisita doença que me tomava o controle assim.
Exceto por uma fraca luminosidade, parecia que já tinha ido dormir. Fiquei em sua varanda alguns momentos, tentando ouvir e tudo estava em silêncio quando passei para o lado de dentro, não sem receio. Já que vira minhas asas, não adiantaria ficar imaterial, porque continuaria visível para ela. Se ela estivesse acordada eu realmente estaria em apuros, sem ter como me explicar. O que poderia dizer?
“Oi. Não consegui ficar longe e por isto estou invadindo sua casa e sua privacidade.” – Imaginei a cena e sua expressão incrédula. Ah! O que estava fazendo? Tinha que ir embora. Este comportamento era lamentável.
Ouvi um pequeno soluço e olhei para a cama. Ela estava dormindo, segurando um livro. Ainda tinha vestígios de lágrimas em seu rosto.
“Porque chorara?” – A idéia dela sofrendo me fez mal. O que a entristecera assim? Teria encontrado notícias ruins nas coisas de seu pai?
Olhei para a cabana, mas tudo parecia igual. O caixote estava fechado.
A tela continuava virada para a parede e senti comichões de tanta vontade de desvirá-lo, mas não podia. Ao menos isto eu faria: já que não tive a decência de respeitar seu espaço, ao menos poderia não remexer em suas coisas. Se ela quisesse, mostraria.
Ela continuava soluçando de vez em quando e eu sentia um aperto no peito a cada um deles. Vontade de deitar-me ao seu lado, colocar sua cabeça em meus braços e tocar seus cabelos para a confortar. Fui embora antes que perdesse o miserável fio de controle que restava.
Esperei pelo amanhecer na praia, sentado em minha pedra. Sabia que ela não viria, não hoje ao menos. Devia ter dormido tarde e o choro certamente a teria deixado ainda mais cansada. Acordaria tarde.
Enquanto esperava, pensei em todas as providências para me ausentar por alguns dias, talvez uma semana. Iria para casa, em Celes, desintoxicar das energias pesadas absorvidas diariamente para manter o corpo humano. Certamente era isto que estava me perturbando. Estes pensamentos mais práticos tiveram o dom de me acalmar e quando o sol surgiu, energizei-me rapidamente e voltei para casa.
Preparei tudo devagar. Visitei o complexo, conversei com meus assistentes, tomamos algumas decisões e estava tudo pronto no início da tarde. Queria apenas me despedir de Maise, para ter certeza de que ficaria bem durante minha ausência.
Voei novamente até sua cabana. Tudo continuava em silêncio, mas as janelas estavam abertas. Bati na porta e aguardei. Como não respondeu, olhei pela janela e não a vi.
“Deve estar na praia.” – Pensei e fui em direção à trilha. Assim que dei na praia eu a vi, virada para o mar e de costas para mim. Estava pintando. Fui me aproximando e logo pude ver o que pintava. Aquela parte da praia, o mar, as pedras e eu??? Recuei com o susto e voltei para a trilha. Oculto agora pela vegetação, observei-a ao mesmo tempo em que tentava compreender o que vira.
“Então ela também pensa em mim?” – Não queria, mas pensar nisto me deixou mais feliz. Tentei sem sucesso não sorrir e senti-me meio bobo por estar tão contente só porque ela estava me pintando.
Voltei para casa devagar. Agora mais do que nunca sabia que teria que me afastar.
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