Acordei com a entrada ruidosa de Tana. Adriel não estava. Era a primeira vez após dias que acordava sem ele ao lado e sua ausência soava como um estrondo abafado à espera de irromper. Pensei no menino da fábula, que por horas tentara tampar com os dedos os furos que se abriam no dique para que este não se rompesse e senti-me como ele.
Sabia que estava sendo irracional. Faziam apenas algumas horas que ele partira e estaria de volta em poucos dias, mas meu coração e corpo pareciam não entender isto por conta de algum erro de processamento entre minha mente e eles.
– O que foi, menina? Saudades já? – Tana perguntou ao ver que continuava deitada com os olhos fechados.
– É. Estou com saudades sim e com medo de que não volte. Ah, Tana, estou com tanto medo! – Comecei a chorar ao reconhecer o sentimento por trás da boca seca e da bola no estômago.
– Boba! Veja o que ele deixou para você. – Ela mostrou o anjo de origami e o bilhete. – Ele te ama e estará aqui antes que imagine. Eu sei. Já foi outras vezes e voltou muito rápido. Vamos, anime-se. Levante, vá tomar um banho que vou fazer um café da manhã gostoso para você.
Após o banho senti-me algo melhor e o café da manhã estava realmente maravilhoso. Tana fez tudo que eu gostava: tapiocas doces e salgadas, suco de frutas, iogurte e ainda mimou-me como o dia inteiro.
Fui com meus materiais à praia de manhã, mas não consegui pintar direito. Desisti e fiquei apenas nadando, tomando sol e pensando.
“Como acontece isto de conhecer alguém e em tão pouco tempo tornar-se tão importante que a vida perca o sentido sem ela?” – Era mesmo absurdo, pensei lembrando que vivi 20 anos sem conhecer Adriel e que poderia nunca ter conhecido se não tivesse vindo para Portal e agora, viver sem ele era inconcebível.
Aquele estado depressivo não iria ajudar em nada e resolvi pensar apenas em seu retorno. Fantasiei com sua volta em milhões de formas diferentes. Em todas trazia a boa notícia de que ficaríamos juntos para sempre.
Entretida escolhendo a melhor de todas as fantasias e ouvindo a matraquice de Tana, a tarde acabou passando sem que sentisse tanto. Lembrei dos diários de papai e sentei na cadeira para ler o penúltimo volume, o que não foi realmente uma boa idéia.
Papai estava ainda mais deprimido que eu. Fazia já duas semanas que mamãe se fora após a briga que tiveram e ela não retornara. Ele não conseguia pintar e nem fazer nada além de pensar nela e procurá-la por todos os lugares vizinhos, sem o menor sucesso. Estava desesperado e impotente. Não comia e nem dormia direito a dias.
Uma tarde uma mulher bateu à sua porta. Era jovem, bonita e vestia-se de forma semelhante a de Luna, minha mãe. Ela disse chamar-se Eileen, que era amiga de minha mãe e que trazia notícias dela. Papai convidou-a a entrar.
Eileen disse que mamãe contara à sua mãe sobre papai e que esta ficara furiosa e a trancara em seu quarto onde deveria permanecer até o casamento que seria dali a poucos dias. Disse que mamãe tentara fugir e não conseguira e que estava desesperada por medo dele ir embora pensando que o esquecera.
A mulher disse que poderia ajudar minha mãe a fugir, mas que antes tinha que saber com papai se ele estava disposto a fugir com ela, pois os guardas iriam atrás de minha mãe tão cedo percebessem sua fuga. É lógico que papai estava disposto. Era tudo o que ele queria.
Eileen fez com que prometesse que iriam para bem longe e jamais entrariam em contato novamente. Disse que mesmo casados e após muito tempo, a mãe de Luna iria querer seu retorno a qualquer custo. Papai prometeu e ela se foi, dizendo que aguardasse mais dois dias no máximo. E este foi o final do diário.
Antes de começar o último, fiquei pensando nesta Eileen. Quem seria? Alguma aldeã de Portal? Será que a encontraria? Até o momento era a única pista que tinha e tentaria descobrir.
Tana entrou neste momento. A tarde já terminava e disse que ficaria comigo esta noite. Lembrei-me da promessa de mostrar suas asas.
– Tana, deixa ver você como fada? Lembra-se que prometeu? Posso ver?
Ela ficou pensativa alguns segundos, acenou afirmativamente com a cabeça e desapareceu. Olhei para cima de minha cabeça e ela estava lá, voando e rindo escancaradamente. Suas asas eram mesmo parecidas com as de borboleta, furta-cor em tons de violeta e dourado.
– Tana, que graça! Adorei. Os outros são bonitos assim como você? Quer saber tudo, conta?
– Ah não, menina. Prefiro que veja com seus próprios olhos. Vai mesmo visitar Etera amanhã?
– Vou sim. À tarde. De manhã quero terminar de ler o diário de meu pai. Você já falou com a rainha?
– Já, mas amanhã volto lá para acertar os detalhes. Diga-me uma coisa, menina, estes diários de seu pai, o que são?
– Ah, são as anotações dele, da época em que morou nesta cabana. Você sabia, Tana, que meu pai conheceu mamãe aqui?
– É mesmo? E como era o nome de sua mãe?
– Luna. Tana, você vive aqui faz tempo. Não conheceu meu pai ou minha mãe? Meu pai chamava-se Arthur. Lembra dele ou dela?
– Conheci sua mãe. Quando vi você pela primeira vez reconheci os olhos dela, mas não tinha certeza até agora, quando disse seu nome.
– Tana! E só agora me diz isto? Quero saber tudo.
– Não, menina, agora está tarde demais. Durma e amanhã, quando formos a Etera, prometo que saberá tudo.
– Ah, Tana, por favor, conta agora. Vocês eram amigas? Sabe de onde ela veio e quem era sua mãe? Ainda vivem aqui?
– Nada disto, mocinha. Esta será uma conversa longa e já está tarde. Maise, prometo que saberá tudo amanhã.
– Chata! Boa noite. – Mesmo não contando nada, estava contente. Hoje o dia fora produtivo com relação aos meus pais. Dormi pensando na volta de Adriel e imaginando uma igreja cheia de parentes em nosso casamento.
Texto registrado no Literar.
Imagem daqui.