Devo ter sonhado com Adriel esta noite, porque acordei sensível e irritada. Tana não estava e o silêncio da cabana soava como uma campainha disparada em minha cabeça. Não quis sair da cama, não iria encarar este mundo solitário enquanto pudesse. Ao invés disto, peguei o último caderno de meu pai. Se Tana conhecia minha mãe, porque não dissera desde o início? Tinha algo errado nesta estória e queria esclarecer o quanto antes.
O último caderno tinha apenas algumas poucas páginas preenchidas e li rapidamente.
Papai estava escrevendo de madrugada, enquanto Luna dormia. Ela chegara ao início da noite, usando roupas escuras e parecendo assustada. Disse que sua mãe e os guardas pensavam que estava em seu quarto, que ninguém percebera a fuga e que Eileen ficara em seu lugar para dar-lhes tempo para fugir. De manhã cedo e até quando conseguisse, fingiria ser Luna, atrasando a descoberta da fuga o máximo possível.
Entre beijos famintos decidiram aguardar o amanhecer para irem embora. Naquela época as condições da estrada eram ainda mais precárias, sem iluminação e era quase impossível dirigir no escuro pelos buracos que se formavam após dias chuvosos como os que tiveram.
Mamãe disse que precisava contar-lhe a verdade, que ele tinha que saber de tudo antes de partirem. Transformou-se em uma fada pequenina e voou em frente aos olhos esbugalhados de meu pai e quando voltou à aparência humana contou-lhe que era uma fada, filha da rainha do reino encantado de Etera. Disse que estava noiva de um príncipe elfo chamado Elros. Eles eram amigos e iam casar-se mais por interesses políticos de Etera do que por amor. Então ela conheceu Artur, meu pai e apaixonou-se. Falou com sua mãe, Selena, mas esta fora irredutível. Não acreditava que amasse meu pai realmente. Disse que era apenas um entusiasmo passageiro. Que fadas sentiam muita atração por humanos, mas que na vida real era impraticável e que sua verdadeira felicidade era com Elros. Ao final sua mãe deixara-lhe trancada em seus aposentos e colocara dois gnomos em guarda permanente à porta.
Mamãe estava triste por ter que fugir, mas não havia outra opção. Papai ficou um pouco atordoado com a história, mas garantiu-lhe que faria o possível para que fossem felizes e disse que no futuro sua mãe perdoaria e voltariam a encontrar-se. Mamãe também tinha certeza que sua mãe com o tempo sentiria saudades e reveria sua estratégia. Então poderia voltar com Artur e os filhos que tivessem.
Fizeram um amor desesperado que expressava tanto as saudades que estavam um do outro quanto as incertezas do futuro. Depois se amaram novamente de forma terna, lenta e suave. Ao final, ficaram quietos abraçados, com as faces encostadas e respirando um o ar do outro. Mamãe adormeceu logo, mas papai estava ansioso demais para dormir e resolveu escrever um pouco até o amanhecer.
Ele planejava levar os diários para guardar de recordação. Estas eram as últimas palavras dele. Porque meu pai não os levara? Certamente descobriram a fuga antes do que imaginavam e tiveram que sair às pressas, o que estava de acordo com o que Antônio contara.
Tana chegou quase que ao mesmo tempo em que terminei a leitura.
– Bom dia, menina! Ainda na cama?
– Bom dia, Tana. Acabei de ler os cadernos de meu pai. Aqui diz que minha mãe não apenas era fada como você como também era filha da rainha. Isto é verdade?
– É sim. Ela era a princesa de Etera, como você é agora.
– E você sabia disto desde o início, não é? Sabia quem eu era, sabia que tinha uma avó. Sabia tudo e não falou nada! Deixou-me continuar pensando que estava só no mundo! Que droga, Tana! Por que fez isto comigo?
– Desculpe, princesa. Adriel achou que era muita coisa para você saber de uma vez e a rainha concordou em aguardar duas semanas antes de contar-lhe.
– Adriel achou foi? E a rainha concordou? E você obedeceu? Vocês tomaram todas as decisões sobre a MINHA vida, sem consultar-me. O que acham que sou? Uma criança incapaz de decidir por si mesma?
– Mas…
– Para o inferno, Tana!!! Vocês não tinham o direito, sabia? Estou doida de raiva! – Fui para o banheiro, trocar-me, sentindo as lágrimas ardendo nos olhos. Quando sai, estava mais controlada e disse:
– Tana, nós vamos agora conhecer minha avó. Agora, entendeu?
– Desculpa, princesa, mas não podemos. Sua avó está preparando sua recepção e neste momento está fazendo um comunicado ao povo, contando sobre você. Não podemos ir agora.
– O que eu quero nunca conta, não é? Que droga!!! E pare de chamar-me de princesa! Vou caminhar um pouco e nem pense em ir comigo. Quero ficar sozinha! – Saí batendo a porta.
“Quem eles pensam que são?” – Pensava enquanto tentava controlar as lágrimas que queriam cair. Andei em direção à vila sem perceber, envolvida no caos de raiva e impotência, mas quando notei para onde estava indo, decidi voltar. Não queria encontrar ninguém naquele estado. Quando estava novamente em frente à cabana, não quis entrar. Não queria ver Tana. Fui para a praia.
Sentei-me perto da pedra de Adriel e então as lágrimas caíram grossas e pesadas. Entendi que todo meu nervosismo refletia mais a saudade que sentia dele e menos o fato de não terem me consultado. Sentia-me tão impotente, parada e só à espera, sem notícias já há dois dias e sem poder fazer nada para falar com ele.
Como estaria? Estaria voltando já? Traria boas notícias? Por que meu coração estava apertado e angustiado daquela forma, como se prenunciasse desgraças para nosso futuro?
“Adriel, meu amor, volte logo! Não consigo mais ficar sem você!” – Fiquei ali, sentada na areia, chorando e repetindo estas frases como uma prece, com a esperança tola de que chegassem a ele e trouxessem-no de volta.
Texto registrado no Literar.
Imagem daqui.
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Notícias sobre Adriel:
Com o nome de Anjo, Adriel começou ontem a ser publicado no jornal Gazeta do Belém. Este jornal do bairro de Belém, aqui em São Paulo, é bastante querido e tradicional (22 anos de existência). Agradeço aos diretores, Srs. Severino Silva e Robinson Amâncio pela oportunidade.