Decidi permanecer em Celes até que encontrassem uma cura para meu corpo e estava aguardando a chegada de Liah, a quem enviara um recado pouco antes solicitando que viesse aqui. Não tinha sentido prorrogar o comunicado e ele levaria o recado para Tana, que transmitiria a Maise.

Estava tentando ocupar-me para não pensar no que ela sentiria e também para sobreviver à minha própria tristeza. Procurava animar-me pensando no futuro que teríamos. Aqueles poucos anos não significariam nada quando voltássemos a ficar juntos e dessa vez para sempre.

Azael, meu irmão por afinidade veio visitar-me e conversamos longamente, colocando as notícias em dia. Falei sobre Maise e ele contava como conhecera Sarah, sua companheira de vida, quando Liah chegou.

– Hei, Liah. Que bom que veio rápido. Obrigado.

– Alô Adriel. Fiquei curioso com seu chamado.

– Conhece meu irmão Azael? Azael, Liah é o anjo encarregado do principado em que residimos lá na Terra e também meu amigo. – Cumprimentaram-se amistosamente e Liah olhou-me interrogativamente, querendo saber o motivo da chamada.

Expliquei rapidamente os últimos eventos e minha decisão de não retornar à Terra por enquanto.

– Nunca imaginei que isto pudesse ocorrer com um de nós, mas também ninguém havia feito o que fez. Espero que consigam descobrir uma solução. – Ele disse, parecendo chateado. Ele estava desviando o olhar ou era impressão minha?

– Também espero. E na Terra? Como estão as coisas?

– Hummm… Errrr… Adriel, acabei de lembrar que preciso falar com meu conselheiro. É urgente. Voltarei para continuarmos nossa conversa.

– Liah! O que está escondendo? Aconteceu algo com Maise?

– Eu… Hã… Adriel, depois do que disse, não sei se é uma boa idéia que tenha notícias da Terra.

– Fale logo! O que houve com Maise? – Segurei seu braço para que sequer pensasse em fugir.

– Ela, hum, bem… Está desaparecida. Deve ser só birrinha boba e até já deve ter voltado para a cabana enquanto estamos falando. – Tentou minimizar.

– Desaparecida? Desde quando?

– Desde ontem no início da tarde.

– Mais de 18 horas sem que ninguém a tenha visto? Não é possível! Maise não faria isto! Algo grave aconteceu, Liah. E a guarda de gnomos? O que houve?

– A rainha chamou-os para Etera. Estavam preparando uma festa para a visita dela na tarde de ontem e ficou apenas com Tana. Parece que tiveram uma pequena rusga, saiu querendo ficar só e desapareceu.

– Já procuraram por ela?

– Sim. Os encantados varreram cada canto de Portal desde ontem, passando pela noite e continuavam procurando quando sai. Não está em parte alguma.

– Maise! Tenho que ir. Deve estar em perigo ou já teria aparecido. Ela não faria isto com as pessoas. Eu sei que não faria.

– Adriel, não! – Azael é quem falava agora.

– Sabia que não devia contar! Adriel, acalme-se e fique quieto aqui. Não há nada que você possa fazer que já não tenha sido feito e é uma questão de tempo até que a encontrem. Façamos assim, volto e assim que tiver notícias venho aqui para contar. O que acha? – Liah também queria convencer-me a ficar.

– Nada feito! Tenho que ir. Maise precisa de mim e nunca perdoarei-me se não for e algo realmente ruim ocorrer a ela. – Eu já tinha tirado a máscara de respiração e agora tentava sair da redoma.

– Por favor, Adriel, espere ao menos até falar com Hayel. Os conselheiros devem saber de algo.

– Não. Estou indo. Liah, você vem?

– Vou ficar um pouco mais, Adriel. Agora realmente terei que falar com meu conselheiro. Irei em seguida.

– Azael, vocês terão que visitar-me já que não poderei retornar. Você e os demais. Diga-lhes que esperarei por todos. E, por favor, diga a Hayel para não desistir e continuar procurando uma solução.

– Adriel… Sentiremos sua falta. Boa sorte! – Despedimo-nos com um abraço forte.

Assim que saí do quarto senti algumas energias alcançando-me tal como Hayel disse que aconteceria. Voei em direção à Terra o mais rápido que consegui e quando cheguei estava já completamente materializado.

Pousei na varanda, preocupado com a multidão de Elementais que vira na praia. Tana veio imediatamente.

– Adriel!!! Que bom que chegou! Precisa saber…

– Já sei, Tana. Liah contou-me em Celes e por isto vim. Alguma notícia?

– Não, menino. Nada. Parece que foi sugada pela terra ou desapareceu no ar. Estou tão preocupada!

– Quais locais foram examinados? – Tana disse todos os lugares e não consegui pensar em nenhum que tivesse ficado de fora. A sala estava lotada. Até a rainha estava lá, tão triste que nem falava.

– Tana, você vai à cabana. Lembra-se dos cadernos do pai de Maise? Traga todos para cá e dividam a leitura. Quem sabe não encontram alguma pista de quem está por trás deste desaparecimento? Vou à praia pensar e tentar lembrar-me de algum lugar esquecido. – Isto daria uma ocupação a elas.

Chegando à praia, sentei na minha pedra, fechei os olhos e passei toda Portal em mente, buscando alguma idéia. Invariavelmente o rosto delicado de Maise interrompia-me e tinha que recomeçar até o ponto em que desisti e concentrei-me apenas nela.

“Querida, onde você está?” – Lembrei de sua voz, de seus cabelos dourados ao sol, de seu riso, do som de sua respiração quando adormecida e até mesmo do ritmo de seu coração que conhecia tão bem.

É isto! – Falei em voz alta quando tive a idéia. Eu conhecia o ritmo do coração de Maise e sabia distingui-lo de qualquer outro. Se pudesse ampliar minha audição, focando-a apenas naquele batimento, talvez pudesse ouvi-lo. Tinha que tentar.

Primeiro isolei a mente para todos os outros ruídos exteriores, depois concentrei na lembrança de seu batimento e quando apenas ele existia em meus pensamentos, fui aumentando lentamente o alcance da audição para aquele som, tal qual um radar. O alcance máximo do raio era pequeno e não poderia escutar toda Portal. Se não estivesse aqui perto, procuraria em outros lugares.

Quanto cheguei ao limite, fiquei ouvindo e buscando em toda sua extensão. À minha direita pensei ter ouvido algo, mas era tão baixo que não tive certeza. Desloquei um pouco para aquele lado e tentei novamente. Sim. Lá estava. Baixo, muito baixo, mas era ele, o som de seu coração.

Olhei confuso para o paredão rochoso até lembrar que avistara uma laguna ali dentro enquanto voava e depois soubera ser uma área reservada dos Elementais. Como Maise entrara ali?

Voei para entrar na laguna por cima do paredão. Maise não estava à vista. Fechei os olhos concentrando novamente e o som reapareceu mais nítido, sempre à direita. Abri-os e foquei na vegetação espessa. Aparentemente nada havia ali. Afastei algumas plantas com as mãos e vi um ponto de cor um pouco à frente.

Às pressas fui retirando mais folhas e galhos e lá estava! Minha Maise, tão pálida e branca deitada no chão de terra, toda suja e ferida pelos galhos, com formigas e pequenos bichinhos passando por seu corpo. Se não estivesse ouvindo o ritmo fraco de seu coração duvidaria que estivesse viva. Levantei-a até meu colo. Estava enrijecida e gelada, deixando-me ainda mais assustado.

Com ela em meus braços, voei rapidamente para casa. Ao entrar fui direto ao quarto e Tana, a Rainha e praticamente todos que lá estavam seguiram-me.

– Tana, ela precisa de um médico, rápido!

– Temos nossa própria medicina e garanto que é melhor do que a daquele médico tolo de Portal. – Abriu espaço para a passagem de duas fadas de cura.

– É melhor saírem para que possamos examinar a princesa. – Disse uma delas. Eu não queria sair, mas Tana obrigou-me.

Contei-lhes como e onde encontrara Maise e ficaram naturalmente horrorizadas. Tana disse que encontraram menção à Eileen nos cadernos e que ela estava sumida desde ontem. Tinham enviado alguns guardas para trazê-la esperando que pudesse elucidar algo. Eles ainda não tinham voltado.

– Acham que foi ela? – Perguntei sem querer acreditar. Conhecia Eileen desde os primeiros tempos aqui e embora não tivéssemos intimidade não parecia do tipo que faria algo assim.

– Ela especificamente não. Apenas achamos que talvez saiba algo que possa levar-nos à quem fez isto. Vamos aguardar o retorno dos guardas. – Quando disse isto a porta do quarto abriu-se e entramos.

A fada Sili disse à rainha que Maise estava envenenada. Ainda não sabiam qual o veneno e estavam administrando antídotos naturais, mas o coração estava muito fraco e não sabiam quanto tempo agüentaria. Iriam fazer um encantamento de fortalecimento e provavelmente ganhariam algum tempo, mas o veneno continuaria a avançar e o único jeito de curar Maise seria descobrir o veneno exato para assim administrar o antídoto ou encantamento correto, o que quer que fosse necessário.

Sili e sua ajudante postaram-se uma a cada lado de Maise e uniram uma das mãos acima de seu coração. Começaram a recitar uma cantinela arrastada enquanto com a outra mão espalhavam pó de ervas medicinais pelo seu corpo. Após um tempo que pareceu longo desataram as mãos e escutaram atentamente. Sorriram e fizeram aceno positivo para nós.

Eu estava monitorando o coração de Maise desde que a encontrei e acompanhei a melhora do ritmo. Sili disse que o efeito acabaria durante a madrugada e não poderia ser repetido. Tínhamos pouco mais de 12 horas para descobrir o veneno e o antídoto.

Todos saíram do quarto para discutirem as possibilidades. Fiquei sozinho com Maise.

A cor retornara ao seu rosto. Limpei a terra de sua face, cabelos e pescoço, enternecido.

Beijei ternamente seus lábios antes de dizer baixinho em seu ouvido:

– Meu amor, não tenha medo. Estou aqui com você, para sempre.

Texto registrado no Literar.

Imagem: fragmento de “O Beijo” de Gustav Klimt. Saiba mais aqui.

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