Li é uma amiga que conheci há um bom par de anos. Na época, ela era uma negra jovem, linda e com uma risada tão incrivel que não tinha quem não se contagiasse com sua alegria. Parecia carregar consigo a liberdade de viver, tanto que um pouco depois acrescentou a seu nome artístico uma palavra com este significado.

Com o passar dos anos nossas vidas tomaram rumos distintos: eu fui para Natal, com filhos, malas, cuias e um beagle e ela foi para o Canadá, sem filhos, poucas malas e quase nada de dinheiro no bolso. Foi para dançar em shows de samba que os gringos adoram. Foi e ficou. Casou, teve filho, dava aulas de dança, lançou-se cantora, deu entrevistas e criou – pasmem – uma escola de samba inteira e completa por lá.

Voltei de Natal e tempos depois soube que voltara também. Foi em casa com seu filho.

A primeira coisa que notei foi a falta da risada escancarada de gostosa, depois as mudanças todas: o corpo mais cheio, a postura mais restrita, a voz mais baixa, o olhar inseguro, mas foi só com o passar dos meses que soube estar com Síndrome do Pânico.

Era agora incapaz de andar sozinha pela cidade, de pegar um metrô e até mesmo de atravessar para o outro lado de uma rua. Narrou-me que às vezes saia de casa para ir à padaria no quarteirão ao lado e bastava atravessar a rua e dar uma dúzia de passos. E ela era incapaz de fazê-lo porque quando estava por atravessar vinha a sensação de angústia, a impressão de algo ruim aconteceria se o fizesse e ficava congelada, lutando contra si própria até desistir e voltar para casa.

No metrô era pior. Como no Canadá é comum o suicídio nos trilhos, as lembranças ocorriam à mente e não conseguia sair do trem na estação de destino. Ficava sentada até o final ou indo e voltando. Acabava por pedir ajuda a um desconhecido e conseguia sair. Algumas vezes, quando tinha algum compromisso profissional realmente importante, ligava-me: Neiva, preciso ir à estação tal, você pode pegar-me na minha estação e levar-me até ela?

Estarrecedor porque ela era minha definição mais completa de liberdade. Como um ser humano chega ao ponto em que, fisicamente livre, é incapaz de atravessar uma rua?

Aos poucos, com ajuda de vários tratamentos, médicos, psicológicos e religiosos, Li recuperou-se e o Transtorno do Pânico é agora apenas uma lembrança ruim, mas:

* A OMS estima que 450 milhões de pessoas no mundo sofrem de desordens mentais ou de comportamento ou de problemas psicosocial.

* 1 em 4 pessoas será afetada por desordem mental em alguma etapa da vida.

* Desordens mentais e neurológicas representam 14% da carga global de doença e contribuem 28% da carga de doença atribuível as doenças não transmissíveis.

* Estudos mostram que a prevalência de desordens mentais deverão continuar a crescer nos próximos anos.

* Em 2040 aproximadamente 81,1 milhões de pessoas viverão com alguma forma de demência.

* A carga atingirá predominantemente os países de média renda.

* A taxa de aumento na prevalência é estimada em 300% na Índia,China, áreas do Sul da Ásia e Pacífico Oeste. E 100% nos países de alta renda.

* No Brasil estima-se um aumento da prevalência em mais de 150 % .

Estudo completo aqui daqui.

E a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou este mês:

“Os números da OMS mostram claramente que o peso da depressão (em termos de perdas para as pessoas afetadas) vai provavelmente aumentar, de modo que, em 2030, ela será sozinha a maior causa de perdas (para a população) entre todos os problemas de saúde”.

Ou seja, a depressão em 2030 será a maior causa de mortes do mundo. Em alguns países, como os EUA, na faixa etária dos jovens, ela já é a terceira causa de morte.

Cada um de nós deve ter uma amiga como a Li em sua vida ou já foi como ela.

Além de todos nossos afazeres, familiares e profissionais, a sociedade cobra-nos participação consciente em política, ecologia, etc. Acho que temos sim que dar nossa colaboração, mas ninguém é de ferro como mostram estas estatísticas e é por isto que defendo uma certa alienação sadia e não apenas leio como adoro o Fofocas de Marte, As Tirinhas de D. Ramirez, o Depósito do Calvin e toda forma de humor, sem contar futilidades como acompanhar realitys shows como o BBB e A Fazenda.

E você? Como combate o risco à doença mental?

Imagem: O Grito de Edward Munch daqui.

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