Eu não estava feliz naquela noite, cansada da rotina sem graça e da falta de perspectivas.
Queria sair logo da casa de meu pai e ter meu próprio canto onde tivesse liberdade para ser alguém e não este arremedo que não era nada: nem quem ele queria que eu fosse e nem quem eu era.
Sentia-me excitada só de imaginar um pequeno apartamento. Poderia ser minúsculo e não importava onde, mas seria meu espaço. Há tempos fantasiava com uma decoração em cores vivas e alegres, com muitos livros, música, televisão e toda modernidade de comunicação que existisse.
Infelizmente meus planos caminhavam devagar e ainda não conseguira o emprego que necessitava para pagar por minha liberdade. Hoje recebi mais uma resposta negativa de uma empresa. Ninguém contratava pessoas sem experiência. Estava cogitando até mentir no curriculum, inventando uma série de trabalhos passados. Quem sabe assim não conseguiria?
Era nisto que pensava, um tanto irritada, parada em frente à vitrine da Tiffany’s em Manhatan, comendo uma rosquinha doce, vestida exatamente como Audrey Hepburn em “Bonequinha de Luxo”.
Caracterizar-me como personagens clássicos de cinema era meu hobby noturno. Um hábito ao qual apeguei-me e acho que se saisse vestida com minhas próprias roupas sentiria-me nua. Os personagens eram como uma proteção, uma pele emprestada que usava e que fazia com que, ao menos temporariamente, deixasse minha própria pele infeliz.
Não a pele pele. Esta não era de todo infeliz. Eu era jovem e com 23 anos meu corpo era bonito e bem feito, pequeno e delicado. Ok: os seios poderiam ser um pouco maiores, o quadril menor, etc. etc. etc., mas no geral? Sim, apreciava-me fisicamente. Meus cabelos pretos cacheados e os olhos também pretos faziam um contraste bonito com a pele clara. Meu rosto não era de nenhuma beleza excepcional, mas o conjunto era agradável e gostava dele.
A pele pela qual ansiava por me livrar era mais simbólica, das circunstâncias em que vivia e quando me caracterizava era como se deixasse de ser eu para ser um deles.
Só que hoje errara feio de personagem. Holly era uma garota de programa e naquela cena do filme, após uma noitada pelas boates, tomava seu café da manhã admirando as vitrines da Tiffany´s. O que ela poderia pensar olhando todas aquelas jóias lindas e inacessíveis? Certamente estaria tão pouco contente com sua vida quanto eu e não era exatamente este estado de ânimo que ajudaria-me esta noite.
Deveria ter saído de Feiticeira, que era feliz, bem resolvida e ainda tinha poderes mágicos para resolver as pendengas da vida.
Estava amargando este pensamento quando vi Juan pela primeira vez e simplesmente soube que ele era o único para mim e que o amaria para sempre. Até meus ossos sabiam disto ainda que não pudesse explicar o motivo.
É complicado tentar verbalizar o significado disto, porque apenas estou em minha cabeça e não na de outras pessoas sem saber se sentem a mesma sensação que eu de estar sozinha na vida. Se acaso sentissem o mesmo e eu soubesse, seria mais fácil de explicar (acho que seria mesmo mais fácil até de viver).
Porque a sensação de estar só na vida é tão envolvente e absoluta que não é possível que todos sintam e continuem a existir com esses sorrisos colados na cara, sem contar os companheiros e filhos adesivados à vida, o que já comprova a impossibilidade da tese.
Não sozinha no sentido de não ter pessoas fisicamente próximas ou até mesmo pessoas amigas, mas de não existir ninguém que fosse como eu. Poderia encontrar uma pessoa com a qual tivesse afinidade em uma, duas ou várias coisas ou aspectos ou personalidade ou jeito de viver, mas não em tudo. Não acreditava ser possível encontrar alguém que fosse totalmente como eu.
Quando vi Juan deixei de ser única e encontrei outro de minha espécie. Esta consciência traduziu-se como calor líquido percorrendo minhas veias todas, embriagando-me de excitação, tonteando-me de prazer.
Intuição, desejo, esperança, premonição ou apenas vontade de que assim fosse? Realmente não sei, apenas foi o que senti ao vê-lo pela primeira vez na vida.
Imagem daqui.