Era melhor um ponto mais aberto para a desmaterialização e fui para a praia, onde o sol já estava por nascer. Observei-o por alguns momentos e depois me desmaterializei, ou ao menos, tentei. Era um pouco demorado e a parte da adaptação posterior um pouco incômoda, mas o processo em si era simples e mesmo tendo já um ano que não o realizava, não havia como esquecer. Concentrei-me e tentei novamente. Nada! Continuava tão sólido como antes. O que ocorria?

Sentei em minha pedra e tentei desmaterializar uma das mãos. Tive sucesso e ela desapareceu, apenas para reaparecer segundos após. Tentei novamente com maior concentração e o mesmo ocorreu. Tentei com um pé, perna, com todos os membros, com o corpo inteiro, mas nada.

As energias pareciam atraídas para meu corpo e tão logo as dispersava, retornavam. Ao máximo consegui manter uma parte por um período um pouquinho maior, mas o nível de concentração tinha que ser muito maior e não conseguiria sustentar por muito tempo, quanto mais com todo o corpo.

Resolvi afastar-me um pouco da atmosfera da Terra e tentar lá do alto. Como eram energias básicas do planeta, talvez ficassem retidas em seu magnetismo. Subi acima da camada de ozônio e experimentei novamente liberar uma das mãos. Ela desapareceu por um tempo bem maior, o que indicava que estava no caminho certo.

Tomei o rumo de Celes, decidindo desmaterializar-me pelo caminho. Era mais difícil ir assim. Pesado e incômodo, com a gravidade da Terra atraindo-me juntamente com as energias de meu corpo, mas não restava outra opção.

Fui removendo a casca que envolvia meu corpo, pedaço por pedaço. A cada parte desmaterializada, tinha que manter a concentração em mantê-la assim e ao mesmo tempo, começar outra parte. Terminada aquela, juntava ao que já estava imaterial e recomeçava com nova parte. Quando desconcentrava por um instante de alguma parte, ela imediatamente materializava-se.

Sentia-me como um gigantesco imã, fugindo da nuvem energética que tentava deixar para trás sem muito sucesso.

Celes não estava distante da Terra. Voando no estado fluídico habitual, em menos de meia hora estava lá, normalmente. “Hoje certamente levarei o dobro do tempo ou mais” – pensei desanimado. E assim foi. Quando avistei a cidade flutuando no espaço tinha a impressão de estar a uma eternidade no processo e o esforço conjunto de voar e concentrar era excessivo.

Estava sentindo-me fraco, exausto e com receio de não chegar a ela, despencando no espaço. Busquei os fiapos de força que ainda tinha para um último arranque que me levou até a entrada de Celes. Despenquei quase inconsciente próximo ao portão principal.

Felizmente alguns celestianos estavam por lá e correram ao meu encontro. Partes de meu corpo começaram a materializar-se para espanto deles. Um conselheiro ordenou:

– Para a câmara de limpeza, rápido! – Quatro deles levantaram-me e fui carregado para a câmara, que era um quarto protegido contra a entrada de energias exteriores à Celes.

Estava sentindo-me realmente mal, sem forças. Lutei com a inconsciência, mas foi em vão e desmaiei sem conseguir articular uma palavra.

Acordei com um aparelho respiratório preso ao nariz e soltando jatos de ar a curtos intervalos. A cama estava dentro de uma espécie de redoma de película transparente e pude perceber a movimentação ao meu redor, com vários anjos rodeando a cama e outros entrando e saindo.

Tossi com a garganta áspera e ressecada e eles perceberam que acordara. Reconheci Kalel, um dos conselheiros que participavam do projeto na Terra.

– Olá, Adriel. Como está sentindo-se agora? – Perguntou-me ele.

– Fraco. O que houve?

– Aparentemente você teve uma crise de abstinência. Seu corpo parece ter viciado nas energias pesadas que absorveu durante este ano na Terra e agora não apenas as atraem como não consegue sobreviver sem elas.

– E o que é este ar que estou inalando e porque esta redoma de proteção?

– É um ar quimicamente alterado, contendo partes iguais das atmosferas da Terra e de Celes. Sem isto você não agüentaria sequer falar. Pensamos em uma terapia de desintoxicação gradativa, aumentando aos poucos a quantidade de atmosfera de Celes e diminuindo a da Terra. E a redoma é para que possamos ficar ao seu lado sem intoxicarmo-nos com este ar.

– Então não poderei sair daqui?

– Por enquanto não, mas estamos desenvolvendo um modelo mais flexível que possa carregar consigo e assim ficar liberado para visitar sua casa e outros locais que deseje.

– Ótimo. Estou com saudades de meus irmãos e também preciso reunir-me com os conselheiros para discutir o projeto.

– Deve ser rápido. Paralelo a isto, nossos cientistas estão pesquisando seu DNA mais a fundo. Existe uma possibilidade de esta contaminação ter sido ainda mais profunda e ter gerado uma alteração genética, mas estas são as primeiras impressões apenas. Enquanto eles não emitem um parecer final, cuidaremos da desintoxicação.

– Será que demorará muito? Preciso voltar para a Terra em poucos dias.

– Voltar para a Terra? Está brincando?!?! Esqueça!

Texto registrado no Literar.

Imagem de Celes daqui.

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