Maise, que estava lendo sentada na cadeira, levantou-se quando entrei. Fiquei olhando, meio abestalhado e com dificuldades para respirar. Ela usava uma camisola indecente, não por ser transparente ou muito pequena, o que não era, mas por deixá-la sensual e provocante de uma forma que não deveria ser permitido.
Estava calculando que levaria apenas cinco passos e um gesto da mão para arrancar aquele paninho de seu corpo, quando ela deu um passo em minha direção e agora eram apenas quatro passos e mais um até a cama, mas este não contava porque não creio que conseguiria dar esse passo adicional e a devoraria inteira ali mesmo, no chão ou na cadeira. Devia estar em meu rosto esta fome de lobo porque ela parou naquele passo e ficou olhando-me insegura.
– “Você não é um animal, Adriel. Controle-se!” – O pensamento inseriu-se em minha mente por entre os pensamentos selvagens e conseguiu sobressair o suficiente para que ouvisse. Fechei os olhos e respirei pausadamente por alguns segundos antes de reabri-los.
– Você está linda! – Consegui dizer. Sim, era isto. Tinha que falar o bastante para ocupar a mente e resistir. Não devia pensar se aquele laçinho na junção dos seios estava mesmo ligado às alças de sustentação e que se os desatasse… Não! Pare! Não pense nisto! Viagem! Fale sobre a viagem.
– Você gostou? Queria estar bonita para você em nossa última noite. – Disse e sorriu com aquele sorriso largo, confiante e aberto. Oh, inocência! Nem imaginava a fera prestes a avançar nela. Sentei-me na cama com os braços cruzados no peito para refrear o desejo de tocar sua pele que parecia brilhar naquela roupa.
– Hummm…. É muito provocante. E sensual também. – Tinha que avisá-la de alguma forma. Talvez ela tivesse o bom senso que faltava-me e trancasse-se a salvo no banheiro. Não. Ela não entendeu. E caminhou até parar na minha frente. Não queria continuar olhando, mas se fechasse os olhos mais uma vez ela poderia ofender-se.
– Vamos deitar? – Queria responder que não, não podíamos, mas ela pegou minha mão, desatando-as e puxando-me em direção à cabeceira da cama.
– Maise, hum, não sei se é uma boa idéia. Não vou conseguir dormir com você vestida assim.
– Não vamos dormir, Adriel. Vamos namorar um pouquinho. – Ela já estava recostada na cabeceira, sob os lençóis. Eu estava em pé e ela puxava-me pela mão para que deitasse ao seu lado.
– Não sei se consigo controlar-me o suficiente. Tenho limites, querida e estou muito próximo de perdê-los. – Deitei-me e ela agarrou-se ao meu corpo.
– Perca-os, anjo. Quero um beijo de despedida.
– Você não está colaborando, Maise. Lembra-se do que combinamos? Tudo igual até meu retorno?
– Só um beijo. – Olhou-me com aquele olhar de gatinha suplicante. Será que sabia que simplesmente não conseguia dizer-lhe não quando olhava-me assim?
– Você promete comportar-se? – Ela fez que sim com a cabeça.
Beijei-a prometendo a mim mesmo que seria suave e breve, mas quando senti a pele dos seus lábios nos meus, perdi a razão, deixando que o calor que vinha deles expandisse dentro de mim, alimentando o fogo que já estava lá. Em segundos meu sangue era lava líquida percorrendo o corpo e queimando-me em cada centímetro. Ainda não era suficiente e, esfomeado, querendo sentir mais daquele fogo, engoli a sua boca.
Seu corpo ajustava-se ondulante ao meu, suas mãos chamuscavam cada ponto que tocava e sua boca abria-se ao meu devorar. Por mais colados que estivéssemos era pouco, queria que entrasse inteira em meu corpo e minhas mãos em suas costas traziam-na ainda mais para perto. Não tinha noção do quanto a apertava até que interrompeu o beijo, desesperada por ar.
Aqueles segundos de interrupção foram suficientes para fazer-me voltar à consciência e perceber a monstruosidade que estava prestes a fazer. Afastei-a, levantei e encostei a face na parede fria. Ainda com a respiração ofegante e os olhos fechados, procurei sentir a aspereza do cimento como um contraponto à maciez de Maise e a temperatura baixa contra meu calor. Após alguns minutos já estava controlado o suficiente para abrir os olhos.
Ela estava na mesma posição, olhando-me com olhos espantados.
– Perdão, querida. Desculpe. Perdi o controle. Eu te machuquei? – Cheguei mais perto para conferir. Não sabia quanto de força tinha colocado naquele desejo de aproximação. Eu poderia ter esmagado-a facilmente.
– Não, anjo! Foi maravilhoso! Não precisava parar.
– Maise… Não sabe o quanto quero você ou não diria isto. Deixei-me dominar pelo desejo, mas não é assim que deve ser em nossa primeira vez. Não quero que sua lembrança seja a de um animal extravasando os instintos. Quero que seja especial e único para ficar marcado como um dos momentos mais bonitos de sua vida. E também da minha. Com esta tensão e todas as incertezas envolvendo-nos, não seria assim.
– Venha cá. – Ela disse, entrando embaixo dos lençóis e apontando para o lado onde eu costumava dormir.
Deitei por cima do lençol. Abraçou-me com cuidado e colocando a cabeça em meu peito, disse:
– Entendo, anjo. Também quero que seja especial e se alguém tem que desculpar-se sou eu. Também perdi o juízo pensando na sua ausência e provoquei além dos limites. Desculpe.
– Adorei esta coisinha que vestiu, por mais perigosa que seja. – Rimos juntos, relaxados. – Agora durma, querida e lembre-se até durante os sonhos que adoro você.
– Não vai esquecer-me nesta viagem? Trocar-me por alguma anja bonita? – Tive que rir da idéia. Como se fosse possível alguma destas coisas.
– Vou lembrar-me de você a cada respiração, amor. Voltarei o mais rápido possível e espero que com boas notícias. E você, cuide-se, por favor. Fique sempre com Tana.
– Está bem, anjo. Boa noite. – Já estava bocejando ao falar e logo dormiu. Eu costumava acalmar seu sistema nervoso quando emitia vibrações suaves como agora e ela era tão sensível que quase sempre adormecia em instantes.
Desde o início, dispensei a guarda de gnomos durante a noite, considerando meu turno de velar por Maise. Ficaria esta noite até próximo ao amanhecer, quando retornariam. Não queria dormir, mas ficar observando-a estava reacendendo o fogo. Seus ombros pareciam pedir pelo meu toque e quando ela mudou ligeiramente de posição e o laçinho entre os seios surgiu em frente aos meus olhos, decidi fazer algo para ocupar as mãos.
Levantei com cuidado e peguei algumas folhas de seu bloco de desenho. Passei a madrugada dividindo o tempo entre olhar para ela e fazer origamis. A técnica japonesa de dobrar papéis era um de meus hobbies nas madrugadas solitárias antes de conhecer Maise. Pensei na lenda antiga de que quem fizesse mil “tsurus” (garça) teria um pedido realizado. Tivesse tempo e faria só para ter uma chance a mais de realizar meu desejo: viver eternamente ao lado de Maise.
Quando o amanhecer chegou, deixei sua mesa forrada de tsurus, flores e até um anjo ao lado do qual escrevi em um bilhete:
“Eu te amo para sempre.”
Texto registrado no Literar.
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