Já se passaram praticamente 10 anos desde que a Square e a Enix juntaram os trapinhos. O negócio aconteceu no dia 1 de Abril de 2003 e o facto de ter tido lugar no dia das mentiras foi uma espécie de presságio para o que aí vinha.
Tal como tantos outros brasileiro, o meu primeiro contacto com a Square foi com Final Fantasy VII, que considero o melhor jogo de todos os tempos. Como tantos outros, tornei-me um acérrimo fã da Square e passei a consumir boa parte do pouco que traziam para a Europa e EUA. Outros dos meus jogos favoritos são Final Fantasy IX e Front Mission 3, saídos ainda no primeiro Playstation.
Da Enix conhecia pouco. Joguei Bust a Groove, Mischief Makers e Star Ocean: the Second Story, um dos poucos JRPGs que daquela altura. Sabia que eram reis no Japão com a série Dragon Quest(principal rival de Final Fantasy) mas nunca a trouxeram para a Europa.
Com a fusão da Square com a Enix, a mesma casa passou a mandar em Dragon Quest e Final Fantasy, as duas maiores séries de RPGs daquela altura(entretanto ultrapassadas por The Elder Scrolls). Ter estes dois gigantes debaixo do mesmo tecto era um sonho de muitos executivos de ambas as empresas mas também deixou muita gente descontente. Hironobu Sakaguchi, o pai de Final Fantasy, e Nobuo Uematsu, lendário compositor da série, foram os mais notáveis a abandonar o barco antes da união das duas rivais.
“Estes primeiros dez ano não foram tão bons quanto os tempos idos”
Foi nestas águas, um pouco turvas, que nasceu a Square Enix, uma empresa com a ambição de jogar na mesma liga que as grandes distribuidoras nipônicas.
Da perspectiva de um fã da Square de antigamente, devo dizer que estes primeiros dez ano não foram tão bons quanto os tempos idos mas, ainda assim, há que destacara algumas coisas positivas.
Os pontos altos
Os Europeus foram os primeiros a beneficiar desta fusão.
Durante os tempos da Playstation e Nintendo 64, foram muito poucos os jogos da Square que tínhamos disponíveis e ainda menos os da Enix. Víamos nas revistas jogos como Final Fantasy Tactics, Chrono Cross, Parasite Eve, Xenogears ou Dragon Quest VII a serem louvados nos Estados Unidos e prometidos para o nosso território mas nunca cá chegavam. Muitos destes títulos eram uma das principais razões porque muita gente acabava por “chipar” a Playstation, um mal que apenas confirmava o interesse dos jogadores europeus nos títulos da Square e da Enix.
Com a fusão, a estrutura da empresa aumentou e os riscos de uma má distribuição baixaram. Com isto, finalmente recebemos um Dragon Quest no velho continente. “The Journey of the Cursed King”(por cá não teve número) foi um dos melhores rpgs da Playstation 2 e vendeu o suficiente para justificar a chegada de outros capítulos da saga.
Façam um favor a vós mesmos e joguem Dragon Quest: The Journey of the Cursed King, uma das histórias mais épicas que passaram pela Playstation 2.
Outros clássicos, como Chrono Trigger e Final Fantasy Tactics, também se estrearam na Europa pela mesma altura e isso é de louvar.
Estes dois relançamentos são reveladores do peso que a empresa começou a ter no mercado portátil, muitas vezes negligenciado pelos ocidentais. Talvez tenha sido uma coincidência, reflexo dos novos hábitos do mercado japonês, mas a Square Enix passou a investir fortemente neste segmento. Os primeiros passos foram dados com o Gameboy Advance mas foi na DS que a empresa se impôs, tanto com bons remakes(Dragon Quest IV-VI ou Final Fantasy IV) como com títulos originais de elevada qualidade(Final Fantasy Tactics A2 e The World Ends With You). O recente mercado dos tablets e smartphones também não lhes é estranho e arrisco mesmo dizer que são os principais impulsionadores do segmento hardcore num mercado assumidamente casual.
Para o fim destaco o mais importante, a aquisição da Eidos e, na minha opinião, a coisa mais inteligente que a Square Enix fez nestes primeiros 10 anos.
A Eidos é bem conhecida dos europeus e, muito sinceramente, ainda estou para perceber como se encontrava com um pé na falência. De qualquer das formas, foi adquirida e baptizada de Square Enix Europe. Isto permitiu à Square Enix adicionar ao seu portefólio séries bastante populares no ocidente e que sempre venderam milhões, tais como Hitman, Tomb Raider, Deus Ex, Thief ou Just Cause. Foram lançados novos jogos de quase todas elas, todos eles bem recebidos pelo público e pela crítica, e vem aí um novo Tomb Raider, que se encaminha para voltar a encher os cofres da Square Enix.
Na minha opinião, a Eidos é a principal força criativa dentro da Square Enix e não demorou muito tempo a conquistar esse lugar.
Acho que no ocidente as coisas estão bem encaminhadas mas infelizmente contrastam com o que se passa criativamente a oriente.
O triste destino de Final Fantasy e outras pequenas histórias.
Final Fantasy surgiu para salvar a Square e acabou por se tornar a galinha dos ovos de ouro da empresa. Cada novo capítulo representou um marco de inovação, não só na própria série como em todo o gênero do JRPG. Job systems elaborados, FMVs ou voice acting foram apenas algumas das inovações que a série nos trouxe.
Depois da fusão, Final Fantasy foi alvo do chamado “milking” e acabou por sofrer na pele mais do que qualquer outra propriedade da empresa.
A Square Enix meteu o seu melhor activo “a render” e, nos dias que correm, é raro o dispositivo onde não se possa jogar Final Fantasy. Não condeno esta democratização da série mas estamos a falar de quase uma década de remakes, re-releases e re-re-releases, uns atrás dos outros. Pouco foi o material realmente original e digno de ser jogado com o nome Final Fantasy.
Na série principal, Final Fantasy XII foi o primeiro jogo lançado durante a era Square Enix, já sem a liderança de Sakaguchi. O jogo foi bem recebido pela crítica mas dividiu a base de fãs, com queixas dirigidas à história desinteressante e ao elenco sem personalidade(a começar por Vaan, o protagonista principal). Os fãs assustaram-se mas o pior ainda estava para vir.
Se o 12º capítulo dividiu a base de fãs, Final Fantasy XIII estilhaçou-a por completo. Chocou com as concepções da série e, mais uma vez, foi alvo de desaprovação. Quando saiu foi o jogo pior recebido em toda a série principal com críticas à linearidade a juntarem-se à história e personagens. Muitas vezes descrito como um simulador de corredores, Final Fantasy XIII foi o primeiro jogo nesta série que me fez realmente pensar se ela tinha ou não chegado ao fim, como uma profecia que se auto-realizou, como indicava o nome do jogo. Os elementos que faziam desta uma série única tinham ido todos embora: os personagens eram fracos, a história amadora e quase inexistente e o principal foco eram os gráficos e não a narrativa.
Apesar de ninguém o ter pedido, Final Fantasy XIII tornou-se uma trilogia: já recebeu uma sequencia (carregada de DLC e que vendeu uma fracção do primeiro jogo) e prepara-se para um “épico” final com Lightning Returns, uma personagem que poucos deram conta da sua ausência. O fundo do poço estava à vista e não tardou em chegar.
Não me lembro de outro jogo que tenha causado tanta revolta entre fãs de uma série.
Final Fantasy XIV foi lançado e é, até agora, o momento mais baixo de toda a série, uma grande trapalhada que ainda está a ser corrigida.
Fora da série principal, destaco a compilação de Final Fantasy VII, expansão do título mais popular da série, e que se desdobrou em 4 jogos e outros quantos filmes. Tirando Crisis Core e Advent Children, nada se aproveitou.
Um outro fantasma que paira sobre a série Final Fantasy é Versus XIII, um jogo anunciado juntamente com Final Fantasy XIII e que ninguém sabe ao certo em que fase se encontra ou se sequer ainda existe. Já lá vão 7 anos desde que ouvimos falar pela primeira vez e muito pouco foi revelado durante todo este tempo. É o período de maior desenvolvimento de sempre de um jogo da Square Enix.
No geral, a empresa não tem sabido gerir expectativas no que toca à revelação de novos títulos. Temos levado com teaser atrás de teaser que acabam por ser mais um port e a participação da empresa na conferência de revelação da Playstation 4 foi praticamente anedótica, com a apresentação de uma tech demo que todos já conheciam e o anúncio de um jogo que estaria obviamente em desenvolvimento.
Já a arrastar o nome e a dignidade pela lama, foi lançado Final Fantasy: All The Bravest, o ponto mais baixo de sempre nesta série. Vendido como sendo um fan service, na linha da série Dissidia, All The Bravest tornou-se o exemplo paradigmático de uma empresa de videojogos a explorar a nostalgia dos seus fãs. De jogo tem muito pouco, sendo antes um programa de extorsão onde o utilizador paga €0.79 por personagens aleatórias ou por outras coisas absurdas, tais como reviver elementos da party que caíram em batalha. É tão mau que alguns sites emitiram avisos para que os fãs não o comprassem.
O dia em que a Square Enix perdeu toda a vergonha. Fujam deste “jogo” como o diabo da cruz.
Fora da série Final Fantasy, Dragon Quest está de muito boa saúde mas Star Ocean e Front Mission nem por isso. O primeiro caiu na mediocridade enquanto o segundo deixou de ser um jogo de estratégia para arriscar no popular mercado dos shooters. Falhou redondamente e não sei quando voltaremos a ter um Front Mission como deve de ser.
O mal de uns é a sorte de outros
Muitos dizem que o fato de a Square já não precisar de competir com a Enix baixou drasticamente os seus padrões de criatividade. Felizmente, esta união parece ter feito aumentar os de produtoras mais pequenas.
Acho que a Atlus foi quem mais cresceu nos últimos anos, com a série Persona preencheu o vazio deixado por Final Fantasy. Não minto quando digo que mais jogar Persona 5 do que Final Fantasy XV. Shin Megami Tensei é outra série desta editora que tem crescido a olhos vistos.
Também a série Tales, da Namco Bandai, assistiu ao seu maior crescimento de sempre com alguns títulos mais recentes, nomeadamente Symphonia, Vesperia e Xillia. Apesar de já existir há quase 20 anos, sempre viveu na sombra de Final Fantasy e Dragon Quest mas agora parece começar a expandir a sua base de fãs. Por fim, destaco o fenômeno Xenoblade Chronicles, surgido do nada e que já é visto como o JRPG mais revolucionário desde Final Fantasy VII.
Persona 4 faz maravilhas pelos fãs desiludidos com Final Fantasy. Pode não ser tão épico mas tem mais alma que as entradas mais recentes.
Analisando os prós e os contras, será que esta fusão compensou?
De que maneira.
Neste momento a Square Enix é a 6ª maior distribuidora japonesa, tendo já ultrapassado alguns nomes como a Sega, Konami ou Capcom.
Com a aquisição da Eidos tornou-se uma verdadeira empresa global e acredito que nos próximos anos se vai juntar ao clube das grandes distribuidoras como a EA, Activision e Ubisoft.
Criativamente a história é outra. Tenho imensa pena da espiral descendente em que entrou a série Final Fantasy mas felizmente posso dizer que estamos bem servidos de JRPGs da concorrência.
Só me resta desejar que Lightning vá de vez à vida dela, levando consigo a onda de má criatividade que tem assola a série e que voltemos a ter em breve um Final Fantasy com a magia de outros tempos.