Atelier Ryza: Ever Darkness and the Secret Hideout – Análise

by A Itinerante

Por André Anastácio,

Quem aí também está com saudade de um bom JRPG? Um daqueles que você joga sem muita preocupação quando só quer relaxar naquele dia chuvoso e matar a saudade de um jogo em estilo clássico?

Hoje em dia é sempre uma dor de cabeça quando eu estou com vontade de jogar um novo JRPG. Nada de errado com a vontade em si, o problema é que toda santa vez que isso acontece eu sinto ter duas opções: Jogar jogos que tentam tanto ser um JRPG old school que parecem ter saído há 15 anos atrás ou jogar um JRPG atual que tentou tanto ser moderno que saiu do alcance de tudo que eu esperava – negativamente falando. Vez ou outra algumas exceções surgem nestes tempos recentes e conseguem tomar de fato minha atenção suprindo essas expectativas (DQ XI, Octopath Traveler, Xenoblade Chronicles 2 são alguns exemplos) mas, na maioria das vezes é só frustração, rs.

Foi exatamente por isso que Atelier Ryza: Ever Darkness and the Secret Hideout foi uma das melhores surpresas desse ano. Eu enfim, depois de um bom tempo me aventurando apenas em jogos de outros gêneros, encontrei um jogo capaz de causar uma sensação de familiaridade com a presença de elementos clássicos de JRPGs ao mesmo tempo em que melhora basicamente tudo que eu poderia esperar dentro do gênero.

Nome: Atelier Ryza: Ever Darkness and the Secret Hideout
Plataformas: Playstation 4 / Nintendo Switch / PC
Data de Lançamento: 26 de setembro de 2019
By: Koei Tecmo Games / Gust Co

Para quem ainda não conhece, a série Atelier é gigantesca e são mais de 20 jogos só na série principal. Apesar da fama, eu nunca havia experimentado nenhum jogo da franquia por que, sinceramente, não parecia ser muito meu estilo. Eu via alguns elementos interessantes superficialmente, mas o foco no sistema de Crafting (criação de itens) sempre me afastava.
Como eu frequentemente comento durante minhas conversas, o principal elemento de qualquer jogo para mim sempre será o sistema de combate (com algumas poucas exceções), portanto, jogar um JRPG que possuía um foco tão grande em juntar ingredientes para criar coisas não me atraía muito.

Mas já fazem alguns meses que o novo Atelier vinha chamando minha atenção através dos trailers e das informações que estavam sendo divulgadas. A proposta era interessante: Estavam basicamente dando um reboot na série e reformulando ambos o sistema de combate e o sistema de crafting, já que a série estava seguindo na mesmice já fazia um bom tempo. Apesar de curioso, continuei acompanhando com cautela porque essas idéias de “modernizar” franquias mais vezes dão terrivelmente errado do que o contrário. Mas não é que funcionou? Atelier Ryza está, definitivamente, dentre os jogos que mais me divertiram recentemente.

Com uma estória irreverente e divertida, um sistema de combate muito dinâmico e elementos de crafting capazes de fazer qualquer um ficar horas criando itens e equipamentos, este definitivamente é um jogo que merece estar no radar dos fãs de JRPGs. Então vamos tentar analisar um pouco estes diversos aspectos deste jogo que, sem dúvidas, é um exemplo excelente de como este gênero pode evoluir sem perder suas raízes.

Obs.: Como não joguei nenhum dos outros jogos da série, não sei dizer ao certo quais são as novidades trazidas neste jogo. Vou abordar todos os aspectos sob o ponto de vista de alguém que ainda não conhece os outros jogos da série Atelier.

Enredo
O setup da história é simples e direto: Ryza, uma adolescente que mora na ilha de Kurken deseja viver aventuras com seus dois melhores amigos Lent e Tao.

Eles começam a jornada investigando ruínas que existem perto da vila onde moram (por algum motivo a ilha inteira é repleta de ruínas) e lá conhecem uma dupla misteriosa composta por uma guerreira chamada Lila e um Alquimista chamado Empel, que também estão estudando as ruínas da ilha e acabam se envolvendo com o grupo.

Vista da parte central da Vila de Kurken durante a noite

Durante os eventos iniciais, Ryza conhece as maravilhas da Alquimia e basicamente a primeira metade do jogo inteira é focada em introduzir passo a passo os elementos necessário para a Síntese. Essa é uma das marcas da franquia, até onde pude ver, e está muito bem representada aqui. Vários eventos tanto da estória principal como de side quests envolvem a criação de itens e a complexidade deles vai gradualmente aumentando com o avançar dos eventos.

Julgando pelo início do jogo é fácil acreditar que não haverá nada de mais na história, mas as surpresas existem e são ótimas. O clima agradável e divertido do jogo é bem construído, o que faz ser fácil ficar preso desde os primeiros minutos. É simples, mas tudo é feito com tanto capricho e qualidade que até mesmo as side quests acabam sendo divertidas.

Mercado da Ilha

A Vila principal é cheia de vida, grande e, enquanto você passa por suas diversas áreas, eventos aleatórios acontecem onde interações entre os membros do grupo ajudam a construir o cenário e a dar profundidade tanto a personalidade dos protagonistas como da Vila como um todo (semelhantes as Skits da série Tales of).

Sem perceber você de repente vai estar reconhecendo os moradores da vila e seus mistérios, e o desenrolar da história é de um jeito agradável o suficiente para segurar a atenção até que os grandes momentos comecem a acontecer.

Gameplay
Eis aqui um dos pontos mais fortes do jogo, já que praticamente tudo referente a gameplay de Atelier Ryza é impecável e eu tentarei abordar os diversos aspectos dela para explicar o porque dessa afirmação, então vamos lá.

Exploração – O jogo possui um sistema de regiões interligadas (semelhante a FF XII) e vai liberando novas regiões a medida em que você avança na história. Você pode revisitar os mapas já liberados livremente para lutar e farmar reagentes e o jogo te recompensa muito pela exploração.
Os mapas parecem vazios a princípio mas, assim que o jogo desbloqueia a possibilidade de coletar reagentes, literalmente todo canto dos mapas passa a oferecer itens que são usados na hora da Síntese (que é como o jogo chama o sistema de Alquimia).

Você precisa estar equipado com as ferramentas corretas para coletar itens e a interação entre as ferramentas e o cenário é bem divertida. Por exemplo: você obterá resultados diferentes ao bater em na mesma árvore com um cajado (assim as frutas caem), ao cortá-la com uma foice (assim você coleta folhas e coisas do tipo) e ao cortá-la com um machado (dessa forma corta-se o tronco para pegar madeira). Vários dos pontos de coleta do jogo possuem mais de uma forma de interagir, e isso adiciona mais um elemento interessante na Gameplay que faz com que você tenha que decidir como vai abordar cada ponto de coleta de acordo com o item que deseja obter.

Um dos mapas iniciais do jogo

E são vários os tipos de pontos de coleta: Rochas que podem ser mineradas, frutas, árvores, pontos de pesca, baús escondidos e mais uma grande variedade de elementos do cenário (até mesmo ninho de alguns animais / monstros). E existem dezenas deles em todas as áreas do jogo, até mesmo dentro da Vila, o que faz com que o processo de farm aconteça de forma natural e integrada ao combate e exploração do jogo.

Agora eu preciso falar sobre o sistema de Fast Travel desse jogo. Gente, como é bom! No início, somos apresentado a um sistema de teletransporte no qual podemos utilizar as placas de identificação da Vila para nos transportar mais rapidamente pelas suas regiões. Só é preciso ir até uma das placas para teleportar para diversos pontos. Esse primeiro Fast Travel funcionava bem o suficiente, mas após algum tempo de jogo o verdadeiro Fast Travel é revelado e permite apertar um botão para abrir o World Map e revisitar qualquer área do jogo pela qual você já tenha passado, sem nenhuma limitação de como, onde ou quando. É tão conveniente e funcional que eu já me vejo sentindo falta de um sistema tão eficiente quanto esse quando for jogar outros jogos. E pra melhorar, a própria tela de seleção de mapas indica quais deles possuem side quests disponíveis, facilitando muito a vida do player.

Mapa de Fast Travel

E o mais importante é o jeito com que tudo isso está conectado. A forma com que a necessidade de coletar dezenas de reagentes e o sistema de fast travel funciona, mostra uma coesão excelente no design do jogo. Pode parecer simples, mas é muito fácil citar jogos (e bons jogos, muitas vezes) que falham miseravelmente na exploração por não saber incentivá-la e integrá-la nos outros sistemas do jogo, fazendo ela se tornar chata ou desnecessária. Este não é o caso aqui. Você QUER explorar o tempo todo e o jogo está prontíssimo para te ajudar a fazer isso sempre que você quiser. Senti a mais profunda gratidão aos desenvolvedores por isso.

Outro detalhe importante é a beleza dos mapas deste jogo. Todo fã verdadeiro de JRPGs já aprendeu que o gráfico não é o fator mais decisivo na qualidade de um game, mas é muito bom ver um jogo dentro do estilo que se preocupou em fazer gráficos bonitos e atuais. Frequentemente eu parava de explorar para tirar algumas screenshots ao alcançar uma região nova no jogo.

Sistema de Gathering (Coleta) e Crafting (Criação) de itens – O sistema de Síntese de itens parece intimidador no começo, mas com um pouco de paciência e algumas pesquisas (por que os tutoriais do jogo são rasos e não explicam muito bem) é possível pegar o jeito rapidinho.

Sendo uma das principais marcas da franquia, era de se esperar que o sistema de Crafting fosse complexo e divertido, e ele não me decepcionou em nada.

São muitos elementos envolvidos, indo desde a criação de itens e o manuseio de inventário até a forja para fortalecer e melhorar as propriedades de itens já criados. Como todos eles possuem bastante complexidade, o jogo faz um bom trabalho ao introduzir essas funcionalidades uma de cada vez em momentos distintos da estória, para dar tempo ao player de experimentar e aprender bem cada uma delas antes de poder finalmente conectar todas todas e usá-las de maneira eficaz.

Você aprende receitas de diversas formas: side quests, a venda em lojas, e até mesmo através de receitas que já conhece.


Outro ponto fortíssimo que está presente neste jogo é a facilidade de obter as informações que você quer. No instante em que você precisa de algum item, basta abrir o menu do jogo e com poucos cliques você está em uma tela com uma descrição completa do item, incluindo informações sobre onde obtê-lo e quais monstros dropam. É muito bom não ter que pegar meu celular toda hora que eu preciso saber onde conseguir o item X ou onde encontro o monstro Y, e isso é outra coisa que irei sentir falta em outros jogos daqui pra frente. Até mesmo a descrição completa das centenas de efeitos e status do jogo podem ser encontrados no próprio Menu, facilitando muito o acesso a informação e evitando que o player precise ficar pesquisando informações básicas que o jogo deveria te dar. Aaah como eu queria que mais jogos fizessem isso…

Já para criar itens, o sistema de Síntese funciona da seguinte forma:


Cada item coletado possui características aleatórias, variando desde sua qualidade até nos efeitos passivos que cada um deles possuem. A quantidade de efeitos que podem vir nos itens coletados é imensa, sendo alguns exemplos deles:

  • Aumento passivo de atributos – ataque, HP, defesa, velocidade e etc.
  • Buffs temporários – aumento temporário em determinados atributos após realizar algumas ações.
  • Efeitos medicionais – curar poison, sleep, paralyze, etc.
  • Efeitos de debuff – causar poison, sleep, paralyze, etc.
  • Potencializadores – aumentam a intensidade do item de acordo com a situação (ao acertar vários ou um só alvo, por exemlplo)

E muitos outros. O jogo deve ter, aproximadamente, 1500 tipos possíveis de efeitos e status para serem transmitidos aos itens. Sim, é enlouquecedor, mas é também muito divertido.


Após estar com os itens coletados, basta ir até o atelier e interagir com o caldeirão para abrir o menu de síntese. 
Cada receita aprendida no jogo possui uma espécie de árvore com vários efeitos que podem ser alcançados utilizando os itens coletados. A quantidade de itens que se pode usar é limitada pelo level de Alquimia do jogador, e a criação de itens possui tantas possibilidades que faz o sistema ser muito viciante.

Tela de criação de itens

Eu acabei ficando muito mais empolgado com a criação de itens do que eu esperava, e boa parte das minhas 70 horas de jogo foram gastas criando e recriando itens até conseguir alcançar o resultado que eu queria.

Combate – O sistema de combate é fortemente influenciado pelo falecido ATB dos Final Fantasy’s antigos. O lado esquerdo da tela mostra uma barra por onde o retrato dos personagens vai descendo (a velocidade depende do status Speed do personagem) e ao chegar no momento da ação aquele personagem pode agir. O tempo não para, então enquanto você está decidindo o que fazer com um dos personagens os outros irão agir sozinhos e os inimigos continuarão atacando. A velocidade com que as coisas acontecem é consideravelmente rápida desde o início, fazendo com que seja necessário tomar decisões com agilidade e com que o combate seja consideravelmente dinâmico.

Interface de Combate

O que separa o combate deste jogo de um sistema de turnos convencional, é o sistema de Action Points (AP, ao lado direito da imagem acima) e Tactics Level. Ao executar ataques básicos, cada hit gera 1 ponto de AP, que pode ser utilizado de duas maneiras: A primeira é para executar skills (o jogo não possui MP, skills consomem AP para serem executadas) ou, ao subir os pontos de AP para o máximo suportado, pode-se consumir tudo de uma só vez para aumentar o Tactic Level daquela luta.

O sistema de Tactics Level é bem interessante e é o que adiciona uma considerável profundidade nas lutas, já que sacrificar seus pontos de AP para aumentá-lo gera diversos efeitos positivos na party. O TL começa sempre no nível 1, onde todas as spells irão causar seu efeito normal e os ataques básicos irão dar apenas 1 hit. No nível dois, algumas spells já irão possuir algum tipo de efeito secundário (como além de dar um dano fogo, reduzir a defesa do inimigo) e os ataques básicos irão dar um combo de 2 hits. No level 3, algumas spells ganham mais um efeito adicional (e assim sucessivamente) e os hits dos ataques normais chega no máximo, que é 3 hits. O Tactical Level máximo é 5 e todo o processo adiciona um aspecto bem interessante no combate, pois faz com que você esteja constantemente pensando se precisa usar suas skills ou se é melhor acumular AP para gastar tudo subindo o Tactic Level da luta.


Um dos problemas do jogo é uma leve tendência que ele possui de ser fácil demais, especialmente se você gastar muito tempo formulando seus itens e ficando mais forte. Mas isso não tira a diversão do jogo, e quando as coisas começaram a ficar muito sem graça eu simplesmente subi a dificuldade para me divertir mais durante os combates.


Outro ponto fraco -e esse eu, de fato, considero grave- é a baixíssima variedade de inimigos, uma das piores que já vi na vida. Os mesmos inimigos que você enfrenta nas primeiras horas de jogo serão os que você irá enfrentar até o final. O que difere eles é simplesmente a cor, que vai alterando na medida em que você alcança as áreas de nível mais alto. Isso é uma atitude bem preguiçosa da empresa, por que é um jogo relativamente grande, mas que conta com algo em torno de 10 monstros diferentes durante o jogo inteiro. É absurdo!


Mas nada disso tira a diversão do jogo, já que basicamente todo o restante do que Atelier Ryza faz, ele faz muito bem.


Enfim pessoal, eu poderia dizer que jogar Atelier Ryza é como voltar pra casa e reviver a nostalgia dos grandes JRPGs, mas ele é muito mais do que isso. O jogo não se preocupa apenas em agradar através de nostalgia. Ele nitidamente foi produzido por pessoas que entendem os principais aspectos positivos de JRPGs, mas que não estão apegados aos moldes antigos de jogos. É um passo adiante na evolução do gênero que eu, do fundo do coração, espero que sirva de exemplo para outras empresas e para o futuro deste série.

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