Adriel decidiu renascer, por falta de alternativas no momento, mas oito anos se passaram até que isto ocorresse. A falta de um corpo espiritual, de um invólucro para o espírito que era pura energia, dificultava a permanência no útero e vários abortos ocorreram na tentativa de fazê-lo ganhar um corpo físico.

A cada tentativa frustrada era necessária uma pausa para que o corpo dela se recuperasse, mas em compensação Adriel surgia delas com algo, que aos poucos se transformou em um corpo espiritual. Uma camada fina e delicada guardava aos poucos sua energia e somente quando estava completa é que o útero de Michele conseguiu mantê-lo pelos nove meses de gestação.

Nos intervalos entre uma e outra, Adriel retornava a Portal do Sol e prosseguia buscando Maise e Etera, sem qualquer sucesso. Finalmente, 10 anos após os eventos que culminaram em sua morte, Adriel renasce na França, com o nome de Adrien.

Era um bebê fisicamente delicado e Michele e Eliah passaram diversas noites em pronto-socorros e hospitais, velando por sua saúde e rezando pela sua vida. O espírito parecia rejeitar o corpo, ansiando pela liberdade. Graças ao desvelo de ambos, Adrien sobreviveu aos primeiros anos e fortaleceu-se aos poucos, deixando de inspirar tantos cuidados.

Em sua infância, Adrien demonstrava capacidades diferenciadas das demais crianças. Ouvia vozes, via espíritos, tinha sonhos e premonições. Não parecia assustado com estes fatos, mas não gostava tampouco por assustar as pessoas quando contava destes fatos. Com o passar do tempo foi silenciando e tornou-se uma criança quieta e introspectiva, parecendo estar sempre em outro mundo, apesar de aplicado nos estudos.

Por várias vezes perguntou a seus pais sobre uma mulher loira que aparecia em seus sonhos, chorando e chamando por ele. Eliah e Michele tinham decidido não contar nada sobre seu passado, caso ele próprio não recordasse. Sem conseguir ainda nenhuma notícia de Maise, Eliah temia perturbar o desenvolvimento de Adrien com informações que não saberia compreender. Diziam-lhe nada saber sobre a mulher.

Com seu coração doce e meigo, a criança Adrien cuidava dos animais que encontrava feridos ou abandonados e se os pais deixassem traria todos para casa, transformando-a em abrigo. Não podia sair com comida ou dinheiro que acabava por doar aos mendigos e algumas vezes, voltou para casa sem sapatos e agasalhos e foi duro convencê-lo de que não podia doar tudo o que tinha. Convenceu os pais a dar-lhe uma pequena mesada para ajudar os infelizes da rua, e comprava comida, agasalhos, cobertores, remédios e tudo o que necessitassem.

Foi por esta vocação para ajudar os necessitados que o jovem Adrien decidiu-se pela faculdade de Direito quando teve que escolher uma carreira. Como advogado acreditava poder ajudar melhor aquelas pessoas.

Aos 25 anos, formado já, trabalhava com seus pais na empresa de investigação que agora era gigante em sua área, com diversas filiais espalhadas pela Europa. No seu tempo livre criara e cuidava de uma organização sem fins lucrativos de ajuda aos necessitados e ele próprio advogava sem cobrar para vários deles.

Era um jovem alto e bonito demais. Eliah e Michele sabiam que era muito parecido com Adriel, com os cabelos escuros e apenas os olhos eram de um verde mais escuro. As mulheres apaixonavam-se à primeira vista, mas nunca ele interessou-se por qualquer uma delas.

Adrien nada mais dizia sobre seus talentos extra-sensoriais, parecendo mesmo não tê-los mais, mas Michele sabia que à noite ainda sonhava com ela, porque escutava quando dizia seu nome e acordava aflito. Nos dias após estes sonhos ele permanecia ainda mais calado e introspectivo.

Em um final de semana foi com os pais a uma exposição de arte contemporânea, com amostra de artistas de todas as partes do mundo. Estavam caminhando e conversando enquanto apreciavam pinturas e esculturas quando Adrien parou frente a um quadro. Eliah e Michele reconheceram Maise retratada pelo pai.

Adrien parecia hipnotizado pela imagem, aproximando-se o máximo que pode e tocando-a.

– Maise. – Disse seu nome e em seguida desmaiou.

Não conseguiram despertá-lo e foi encaminhado ao hospital onde passou dias entre a inconsciência total e parcial, febril e confuso, dizendo coisas incompreensíveis. Os médicos diziam estar em choque pós-trauma. Seus pais sabiam o motivo, mas nada podiam dizer ou fazer, exceto aguardar.

Quatro dias depois a febre cedeu e recobrou a consciência. Olhou para seus pais e disse:

– Maise. Vocês sabiam o tempo todo e não me contaram. Por quê?

– Adrien, desculpe. Procuramos por ela durante todo este tempo sem encontrar o mínimo vestígio. De que adiantaria contar? Para que sofresse mais? Você recorda tudo de sua vida anterior?

– Não tudo. É um pouco confuso e embaçado. Lembro dos fatos principais apenas. Vocês tinham que ter contado. Agora tudo se encaixa. Entendo tudo: os sonhos, seu choro e tristeza, minha melancolia. Minha vida ganhou um sentido. Vou a Portal do Sol.

– Adrien, meu filho. – Era Michele quem dizia, chorando. – Não há mais nada lá. Exceto as construções fechadas e abandonadas. Vai sofrer com a decepção de não encontrá-la. Esqueça isto. Sua vida agora é aqui.

– Mamãe, você sabe que nunca consegui interessar-me por nenhuma mulher, sempre obcecado pelo rosto de meus sonhos. Preciso ir. Maise está viva, eu sei. Ela vai ao meu encontro.

– Mesmo que vá, Adrien. – Eliah ponderava agora. – 35 anos se passaram desde aquela época. Maise estaria com mais de 60 anos já, enquanto você é um jovem. Como seria possível?

– Não importa. Nada importa que não seja voltar a vê-la. Ela precisa saber tudo o que aconteceu. Não conseguirão demover-me.

Uma semana após, Adrien estava em frente aquela que fora sua casa em outra vida. Não conseguiu entrar, pois estava fechada e compreendeu que também uma barreira de magia a protegia. Caminhou pela praia, recordando-se de todas as vezes que fizeram o mesmo trajeto juntos e em frente à cabana quase podia vê-la, tão bela e radiante de juventude e alegria. Chorou de saudades, sentado aos degraus e surpreso, descobriu que a barreira na cabana era mais fraca do que na casa. Após forçar um pouco, conseguiu abrir a porta e entrou em seu interior.

Tudo permanecia igual, com os móveis cobertos por lençóis cheios de pó. Ali estava a cama onde dormiram tantas noites juntos, a cadeira de ursinhos que lhe dera e a mesa onde fizera tsurus velando por seu sono e tantas outras recordações.

Foi à vila e descobriu que Antônio falecera há poucos anos e que a cabana estava abandonada. Decidiu ficar nela enquanto estivesse em Portal. Limpou todo o pó e ali esteve por 15 dias, sem conseguir qualquer notícia de Maise.

Voltou para a França, decidido a desenvolver suas capacidades e aprender o que pudesse sobre magia. Somente poderia encontrar Maise e Etera através da magia, sabia disto.

Nos próximos anos reuniu informações, freqüentou seitas e organizações religiosas, mágicas ou místicas em busca de um encantamento que abrisse um portal entre seu mundo e Etera. Não houve nenhum que realmente funcionasse, mas acabou por encontrar informações sobre Ytzar e seus demônios e aliou-se a um grupo dedicado a combatê-los.

Aprendeu a lutar com diversas armas, físicas e mágicas e transformou seu próprio corpo em uma arma que poderia ser letal em uma luta. Desde o momento em que resgatara seu passado, soubera que voltaria a encontrar-se com Ytzar e queria estar preparado desta vez.

Uma vez por ano retornava a Portal do Sol e ali ficava por 15 dias, sozinho na cabana, lembrando e chamando por Maise.

Cinco anos haviam se passado desde que recordara de sua vida passada, 40 anos desde sua morte. Adrien tinha agora 30 anos. Maise estaria com 65 anos.

Sentado em sua pedra na praia de Portal do Sol, Adrien imaginava como seria seu rosto, envelhecido, sentindo-se encher de ternura por ela.

A saudade queimava-o a cada dia, mas hoje era particularmente forte e ele não ficou surpreso quando as lágrimas começaram a rolar por sua face.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

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